sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Simplesmente medonho

Cesar Vanucci

“As ações terroristas dos atiradores solitários 
são estimuladas, em muito, pela indústria armamentista.”
(Antônio Luiz da Costa, Educador)

Foi assim. Simples assim. O indivíduo de mal com a vida, periculosidade estampada no semblante, agindo com a mesma desenvoltura de uma dona de casa que ajeita no carrinho do supermercado a couve-flor, o alface e o tomate para refeição doméstica, passa ao solícito vendedor da loja especializada em armamento sofisticado a lista dos produtos que lhe interessa levar. Metralhadoras, rifles de alta precisão, granadas, farta munição. Material suficiente para equipar aguerrido pelotão de infantaria. Fecha a operação, pagando com cartão de crédito, apanha a nota fiscal, metendo os artigos adquiridos num veículo de transporte. Manda-se, em seguida, para casa. Nada diz, nem lhe é perguntado a respeito da destinação dos itens comprados. Afinal de contas, qualquer pergunta poderia soar como imperdoável abelhudice, assim vista pela Associação Nacional Americana de Armas, intransigente defensora dos “sagrados direitos constitucionais” dos consumidores de seus produtos.

Simples assim. O indivíduo, ao depois, hospeda-se num hotel de luxo, em suíte de andar superior com vista panorâmica para imensa praça. Na praça irá acontecer, mais adiante, um mega espetáculo artístico, plateia estimada em milhares de pessoas.

Simples assim. O individuo, presumivelmente adepto de uma dessas seitas sinistras (tipo Klan, Supremacistas Brancos, por aí) engajadas em conspiração contra a dignidade humana, transforma o aposento num “posto avançado” para deflagração de verdadeira “operação de guerra”. Não se sabe bem como fez para transportar até o topo do edifício, sem despertar incompreensivelmente a mais leve suspeita, o arsenal adquirido nos conformes legais. Sozinho, ou com ajuda, sabe-se lá, sem ter os passos interceptados por quem quer que seja, transporta o pesado material para a suíte transmutada em reduto fortificado. A pequena multidão que cruza seu caminho, agentes da lei, porteiros, vigias, ascensoristas, camareiros, carregadores, motoristas, demais funcionários do hotel, hóspedes do hotel, não percebe nada de estranho na frenética movimentação, que implica ainda na instalação, por conta própria, novamente desapercebida por parte de terceiros, de um requintado sistema clandestino de monitoramento, provido de câmeras, em corredores do hotel,  para acompanhamento das coisas que venham a suceder nas imediações da suíte.

Foi assim. Simples assim. Todas essas ações, estrategicamente orquestradas, transcorreram numa das cidades com maior poder de atração turística no mundo inteiro. Um centro populoso, vigiadíssimo, situado em país que estruturou a mais complexa engrenagem jamais concebida para se defender de atos terroristas contra gente inocente, a ponto até de estimular alguns agentes, extravasando os cuidados preventivos, a cometerem deslizes nas abordagens públicas (sobretudo em aeroportos) de pessoas de outras nacionalidades.

Foi assim. Medonho assim. Das janelas da suíte, mirando como alvo milhares de espectadores do show de música sertaneja que se acotovelavam lá embaixo na praça, o terrorista acionou o gatilho dos mortíferos apetrechos espantosamente armazenados na dependência de um hotel de intensa circulação. Antes que o pessoal da segurança pudesse identificar a origem dos disparos, de modo a por termo à terrificante empreitada, 69 vidas inocentes se foram, mais de quinhentas pessoas alvejadas deram entrada em hospitais e clínicas. E assim se escreveu um novo capítulo da encorpada e tenebrosa história dos tresloucados atiradores solitários que apavoram as ruas  americanas.

Medonho assim. O noticiário sobre a tragédia de Las Vegas diz que as armas legalmente estocadas nos lares do país é superior ao número de seus habitantes, mais de 320 milhões. Em algumas regiões estadunidenses assegura-se às pessoas o “direito” de desfilarem ostensivamente com armas, no consagrado estilo faroeste. Em reportagem mostrada na televisão um cara, com o qual a gente se antipatiza à primeira vista, exibe-se varonil e triunfante, expelindo babaquice por todos os poros, como recordista mundial em coleção de armas. Seus guardados contabilizam quatro mil artefatos. Até carros de assalto. Todo o aparato em condições de uso imediato. “Lindo”... de morrer.

Tudo muito medonho. É o caso de se pedir: Deus salve a América!


Desfile de horrores

Cesar Vanucci

“... a Terra não é o inferno dos demais planetas?
(Aldoux Huxley)

É de Aldous Huxley a fulminante indagação: “Como sabes que a terra não é o inferno dos demais planetas?” A frase guarda certa conotação com ditos de outros autores célebres. Sartre: “O inferno são os outros.” Guimarães Rosa: “O inferno está dentro de nós.” Marquês de Sade: “Não há outro inferno para o homem afora da estupidez ou da maldade de seus semelhantes.”

Avaliando com aprofundada atenção, alma em desassossego e olhar repleto de angústia, o que vem rolando por aí afora, lá longe e cá perto, no atacado e no varejo, a gente acaba, em não poucos momentos – como não? –, se rendendo à tentação de compartir com o grande pensador citado no introito a inquietadora dúvida por ele verbalizada. O desfile de horrores é incessante. Produzido por distúrbios comportamentais variados – ódio, insanidade, intolerância, preconceito, injustiça -, as situações calamitosas acumulam rotineiras manchetes.

Ainda agora, quando datilografávamos estas linhas, fanáticos religiosos-políticos arremessavam seus carros-bomba contra vítimas inocentes na Somália, provocando um inimaginável morticínio. Outro mais.

Deixando de lado, nestas específicas considerações, incidentes aterrorizantes registrados noutras plagas, concentrando-nos apenasmente em episódios deprimentes mais próximos de nós, começamos por perguntar, apoderados de perplexidade: essa horrenda tragédia de Janaúba, como explicá-la? A ferocidade criminosa que a concebeu, a crueldade inaudita que tantas vidas inocentes ceifou – em sua maioria, criancinhas, Santo Deus! -, as marcas doloridas indeléveis deixadas na história das famílias e da comunidade brutalmente alvejadas, como entender tudo isso?

Este surto infernal de estupidez e maldade, esta desagradável sensação de banalização da violência, será que vamos conseguir refreá-los? Na pergunta formulada só se encaixa uma resposta. O mundo carece reconectar-se urgentemente com sua humanidade. Trata-se de uma tarefa árdua, extenuante. Quem pode assumi-la, de verdade, são homens e mulheres de boa-vontade, parcela majoritária da sociedade, compromissados com valores éticos, morais, espirituais capazes de garantir dignidade à jornada existencial. Isso pede reflexão e ação.

Deixemos Janaúba. A cidade, mergulhada em sua infinita dor, busca na solidariedade popular e na anunciada disposição dos poderes públicos em provê-la de recursos que possam melhorar as condições de seus equipamentos sociais alento para a retomada das atividades normais. A vocação progressista da comunidade, o espírito de cidadania de seus moradores representam suportes poderosos na caminhada a empreender.

 Volvamos, agora, o olhar amargurado para outro recanto brasileiro. Local permanentemente acossado por virulência fora de controle. Como não nos sentirmos traumatizados emocionalmente - os habitantes de todos os cantos deste país continente - com o que vem ocorrendo no cenário emoldurado pela mais exuberante beleza tropical dentre todos os grandes centros urbanos do planeta? O que a inoperância governamental, a incompetência de próceres políticos, a serviço de uma oligarquia debochadamente corrupta, andam aprontando com a mui’ heroica e leal São Sebastião do Rio de Janeiro é algo arrasador. Faixas territoriais extensas da metrópole de mil encantos naturais que, até recentemente, no sonho dos brasileiros, era vista como destino predileto para curtição de aposentadoria tranquila, transformaram-se em zonas de conflito armado. Nelas atuam desembaraçadamente falanges criminosas, traficantes de drogas, milicianos achacadores. O aparato de segurança do Estado revela-se ineficaz no combate a essas forças antissociais. Isso se explica, em parte, deploravelmente, pelo enredamento da chamada “banda podre da polícia” com o crime articulado. O descalabro implantado traz consequências funestas. A fuzilaria virou rotina nos morros cariocas mal assistidos, com extensão à famosa “baixada fluminense”. Haja rabecão para transportar vítimas ao necrotério! Haja bala perdida a surpreender transeuntes e outros viventes indefesos no interior dos lares e das escolas!

No rol das cotidianas desventuras geradas pela estupidez e insanidade cabem ser arrolados também mais esses outros dramas pessoais chocantes. No Piauí, levado pelos próprios pais, garoto de onze anos faz companhia na cela de uma penitenciária, a detento trancafiado por crime de estupro e pedofilia. Tudo sob os olhares coniventes dos encarregados da vigilância do lugar. No interior de São Paulo, uma mãe é acusada de encomendar o assassinato do próprio filho, um adolescente, por “horripilante delito”. Ele confessou-se... homossexual. Valha-nos Deus, Nossa Senhora!


Estupidez e insensatez 
de mãos dadas

Cesar Vanucci

“A estupidez é o maior dos pecados.”
(Oscar Wilde, escritor, poeta e dramaturgo britânico)

Em tudo quanto é canto do mundo despontam inequívocas demonstrações de estupidez e insensatez levadas a extremos. Algumas delas vêm alinhadas abaixo.

l Um grupo de 62 pessoas, que se identificam como teólogos, vinculadas ao rançoso movimento fundamentalista do dissidente Bispo Lefebvre, cismou de aplicar – ora, veja, pois! – um “puxão de orelhas” no meigo e desassombrado Francisco. Acusou-o de práticas heréticas. São caras que se acreditam mais católicos do que o próprio Papa. Por essa “razão”, sentem-se à inteira vontade para arremessar suas lanças medievais contra as regras canônicas, das quais se arvoram ser zelosos guardiães e intérpretes, desrespeitando o conceito que estipula a infalibilidade papal em questões de fé e moral. Com ferocidade dir-se-á talebanista condenam a exortação apostólica “Amoris Laetitia”, vinda a lume no ano passado. Discordam histericamente da orientação ali contida, inspirada em apostólica sabedoria, sobre candentes questões da vida moderna. Repugna-lhes as abordagens feitas sobre sexualidade, casamento, família e divórcio. Integristas de meia pataca, fazem coro em suas farisaicas vociferações com outras correntes retrógradas, de mórbida religiosidade ou de religiosidade alguma. Estamos nos reportando naturalmente a agrupamentos fanáticos que se mostram incomodados com a fala vanguardeira, evangelizadora, diga-se também tomista de Francisco, a respeito da realidade social e econômica destes convulsionados tempos. Com certeira convicção, outros “brados retumbantes”, nessa mesma toada, oriundos dessas mesmíssimas fontes radicais, clamarão por escuta mais adiante. As seitas fundamentalistas não esmorecem no afã de refrear o heroico impulso evolutivo do espírito humano. Voltarão a investir contra outros atos e palavras procedentes da serena e destemida disposição do Bispo que chegou ao Vaticano vindo dos confins do mundo. Um estadista que encanta o planeta com sua pregação e que sabe utilizar a Cátedra de Pedro em favor da santificadora causa de ajudar o mundo a se reconectar com sua humanidade.

l Não há como não sentir um calafrio percorrendo a espinha, sendo ou não alemão, diante dos números conquistados pela ultradireita - de inocultável coloração nazista -, nas eleições que acabam de ser realizadas na Alemanha. Conseguindo emplacar 94 representantes no Congresso, atraindo 12,6% do eleitorado, a “Alternativa para a Alemanha” transformou-se na terceira força política e parlamentar do país. Situou-se abaixo apenas dos sociais-democratas (20,5% dos votantes) e da aliança conservadora – CDU-CSU, de Angela Merkel (32,9%). Praticamente, triplicou a votação com relação aos sufrágios alcançados no pleito anterior. Aviso aos navegantes: não convém subestimar o que rola na Alemanha. (Abra-se e feche-se rápido parêntese para recordar que, em 1930, o partido de Adolf Hitler chegou também em 3º lugar nas eleições). Observadores qualificados chamam a atenção para os riscos que espreitam a democracia com essa súbita ascensão das falanges de extrema direita. No curso da campanha eleitoral, dirigentes e adeptos da tal “Alternativa” conduziram orgulhosamente, nalguns momentos até ensaiando “passos de ganso”, estandartes com reluzentes suásticas. Soltaram o verbo, exprimindo ódio racial naquele mesmo apavorante estilo de um tenebroso passado. Apontaram o dedo acusatório para minorias selecionadas para desempenhar no enredo político o papel de “bodes expiatórios” no tocante à crise econômica, de modo a sensibilizar setores desinformados da população que se sentem amargurados com as consequências negativas das ações de governo.

Alexander Gauland e Alice Weidel, os nomes dos líderes do movimento extremista, não escondem suas idiossincrasias contra negros, judeus, refugiados. Cantam loas ao heroísmo das tropas hitleristas na 2ª Guerra Mundial. Ficar de olho na incendiária dupla. Eles podem aprontar.

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Abolição das armas nucleares

Cesar Vanucci

As pessoas que falam em proscrever a bomba atômica 
estão enganadas: o que devia ser proscrito é a guerra.”
(Enfatizando mais uma vez a frase lapidar do 
general americano Leslie Richard Groves)

O Nobel da Paz deste ano da graça de 2017 foi conferido ao ICAN, organização sediada em Genebra que aglutina 424 ONGs espalhadas por 95 países. A versão em português da sigla explica sonoramente os altruísticos objetivos da instituição: “Campanha Internacional para Abolir as Armas Nucleares”.

Na percepção deste desajeitado escriba, com suas sempre esvoaçantes quimeras, essa outorga apresta-se magistralmente a descrever o fosso abissal que, tantas vezes, distancia aquilo que a embriagante autossuficiência humana cataloga como “politicamente correto”, daquilo que representa autenticamente ideal a ser perseguido no processo evolutivo humanístico.

A láurea foi atribuída debaixo de aclamações a uma valorosa entidade que se notabiliza por perseverante esforço, desdobrado ao longo de uma década, voltado para a perspectiva de livrar o mundo das armas nucleares. No anúncio, a presidente do Comitê Norueguês do Nobel, Berit Reiss-Andersen, classificou de incansável o trabalho de conscientização do grupo em prol do desarmamento atômico. Assinalou: “Vivemos em um mundo onde o risco de uso das armas nucleares é o mais alto que já existiu. Alguns países modernizam seus arsenais e é real o temor de que outros países se valham desse tipo de armamento, como a Coreia do Norte.”

Porta-voz da organização agraciada, Beatrice Fihn, fez questão de criticar a atuação do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Ressaltou: “O incômodo causado por Trump decorre do fato de ele ser capaz de autorizar, por si só, o emprego de armas nucleares.” Disse depois: “As armas nucleares não dão segurança nem estabilidade", o que é o próprio óbvio ululante. A respeito ainda do ICAN seja aduzido que a instituição inspirou recentemente um tratado de proibição das armas nucleares, subscrito por 122 países. De cunho evidentemente simbólico, o documento não contém assinaturas das potências nucleares.

Essas informações inspiram singelas observações. Agarremo-nos à cândida hipótese de que os países detentores de arsenais nucleares – Estados Unidos, Rússia, França, Grã-Bretanha, China, Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte – resolvam, de repente, numa espantosa demonstração de boa vontade, desfazer-se de seus artefatos. Será que isso implicaria, concomitantemente, numa declaração peremptória em favor da abolição ampla, geral e irrestrita do terror das guerras e das guerras do terror? Eles e os restantes países com propensão guerreira iriam se dispor, paralelamente, a eliminar pra todo o sempre seu formidando estoque de armas bacteriológicas, de armas ditas convencionais, zelosamente conservadas em pontos fixos e móveis estratégicos para uso em situações de máxima tensão; armas essas, todas, como sabido, concebidas com o objetivo de aniquilar avassaladoramente vidas inocentes e patrimônios valiosos?

Fica claro que ninguém, em consciência, ousa negar o mérito das ações desencadeadas pelos militantes do ICAN. É certo que se trata de grupo ativista fervoroso, apoderado de nobreza de intenções e de saudáveis preocupações com referência a uma questão que impacta de pavor a sociedade. Mas, volvendo a atenção para outra face do assunto, é preciso considerar que o armamento nuclear representa um dos itens – talvez o mais assustador – entre os elementos a comporem as engrenagens dessa suprema manifestação da estupidez humana denominada guerra.

Temos assim, pois, firmado o seguinte: diante da ordem de conceitos comportamentais vigentes no mundo de nossos dias, a campanha para proscrição das armas nucleares é, “politicamente correta”. Mas o “politicamente correto” revela-se insuficiente no caso. Cria uma sensação de incompletude, sensação de que está faltando algo essencial a ser feito. A ardente esperança que habita a alma humana concebe, na verdade, não apenas um pacto capaz de abolir um tipo de instrumento de extermínio. Mas um acordo – mesmo que reconhecidamente inalcançável nesse atual estágio da convivência planetária – capaz de abolir a própria guerra. Ou seja, eliminar das desventuras humanas essa calamidade geradora de todo um cortejo interminável de calamidades, imagináveis e inimagináveis, como diria Padre Vieira.

Na epígrafe, recorri a lapidar frase de um general americano. Sirvo-me no epílogo de outra, igualmente de americano ilustre, George Washington: “Meu maior desejo é ver essa praga da humanidade, a guerra, extinta da face da Terra.”

A tragédia do Reitor


Cesar Vanucci

“Que autoridades são essas que (...) causam medo e terror?”
(Nelson Wedekin, jurista)

Na isenta avaliação de categorizados setores da opinião pública catarinense configurou-se irretorquível violação dos Direitos Humanos no rumoroso caso da morte, em dolorosas circunstâncias, do antigo reitor da Universidade Federal daquele Estado. Juristas, educadores, jornalistas, membros do Ministério Público não se furtaram ao dever de reconhecer publicamente que o gesto desesperado do professor Luiz Carlos Cancellier, que pôs termo à vida atirando-se no vão de um shopping center em Florianópolis, foi fortemente influenciado pelo claro abuso de autoridade, somado a inconsequente denuncismo com alarde midiático irresponsável, do qual o mesmo foi alvo.

O lastimável episódio pode ser assim narrado. Uma investigação policial iniciada em 2014 concluiu que houve desvio de recursos em um programa de ensino à distância executado na instituição universitária mencionada. A ocorrência delituosa foi detectada em período –importante ressaltar – anterior à gestão do reitor. Mesmo assim, equivocadamente, por força de brutais circunstâncias, ao inteiro arrepio das provas coligidas, Cancellier viu-se subitamente alçado à condição de personagem central numa trama kafkiana. As autoridades encarregadas das diligências, com respaldo judicial, deduziram que vinha acontecendo obstrução na apuração dos fatos. Baseadas em informações que se comprovaram incorretas, resolveram imprudentemente, prepotentemente, responsabilizar pelo fato, entre outras figuras do corpo universitário, também o reitor.  De nada valeram as evidências, consoante abonados testemunhos, de que o cidadão em questão nenhuma participação negativa tivera no enredo.

Detido em sua residência, diante dos olhares assustados dos familiares e vizinhos, numa operação espalhafatosa, com filmagem instantaneamente projetada pela televisão, cobertura ampla da imprensa e rádio, o reitor foi “exemplarmente” apontado como “perigoso marginal”.  Sem que se lhe oferecessem chance alguma de defesa com relação às injustificáveis acusações levantadas, foi conduzido de forma humilhante ao cárcere. A soltura do preso foi determinada, sensatamente, noutra instância, horas depois. Tarde demais, no desabafo do jornalista Carlos Damião, a quem Cancellier confessou ter sido tratado de forma degradante pelos integrantes da escolta e na dependência policial a que compareceu sob coação. O reitor confessou ao mesmo jornalista sentir-se esmagado pela dor e perplexidade.

Em que pese o posicionamento assumido pela comunidade acadêmica catarinense, saindo imediatamente em defesa do reitor ferozmente atingido em sua dignidade, o impacto das coisas deixou Luiz Carlos Cancellier arrasado psicologicamente. Ele chegou a confessar a amigos que jamais iria conseguir recuperar-se do golpe. Deu no que deu.

A história gerou compreensível clima de revolta e indignação. O reitor era um homem culto, afável, inteligente, conciliador e de vida irrepreensível. Machucou-se muito com manchetes que o chamaram de ladrão e corrupto, sem que tivesse qualquer culpa no cartório. O próprio Procurador Geral do Estado, João dos Passos Martins, admitiu que o educador padeceu sob uma prepotência inocultável. “Por isso, respeitado o devido processo legal, é indispensável a apuração das responsabilidades civis, criminais e administrativas das autoridades policiais e judiciais envolvidas”. Foi o que sustentou em nota. O advogado Nelson Wedekin, ex-senador da República, classificou a ação conjunta da policia e judiciário de ignóbil. Indagou, na cerimônia fúnebre: “Que autoridades são essas que, ao invés de nos proteger, causam medo e terror?” (...) “É preciso agir assim com a mão pesada, com tal crueldade, com tal virulência e tal desumanidade? Definitivamente, não se passa o país a limpo assim!”


O drama do reitor injustamente alvejado comoveu Santa Catarina e demonstrou, da parte dos setores responsáveis pela condução das diligências relatadas, total despreparo no cumprimento de sua respeitável missão institucional no combate ao crime.

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Em colisão com a vida

Cesar Vanucci

“Desapartada dos valores humanísticos e espirituais, a economia colide com a justiça social.”
(Antônio Luiz da Costa, educador)

Em tudo quanto é pedaço de chão deste mundo convulsionado o que se contempla é uma avalancha de desatinos. Uma agressão belicosa à ordem social, econômica e política, gerando fieira interminável de injustiças e indignidades. Como costumava dizer um governante – cujo nome a maior parte das pessoas só ousa pronunciar debaixo de certas cautelas, dando três batidinhas no tampo da mesa e dizendo bem baixinho, mas com firmeza, “mangalô”, também três vezes – a economia vai bem, mas o povo vai mal. E, falar verdade, isso não ocorre apenas aqui por estas bandas desguarnecidas do sul do Equador. O cenário pode-se garantir se reproduz por aí afora. Com maior contundência ali, mas configurando sempre que as coisas funcionam mal, que o “Projeto da Criação”, previsto para este planeta pelo bom Deus, vem sendo conspurcado em suas propostas originais.

Um estudioso em economia, de espírito desarmado, que consiga se desvencilhar da “síndrome do economês”, poderá resumir rápido e rasteiro em não mais do que duas frases, todo o drama econômico-social asfixiante destes tempos modernosos. A economia não pode ser considerada um fim em si mesma. Há que ser vista como um meio para se atingir um fim. O fim é sempre social. Está dito tudo.

Os que alcançam esse nível correto de entendimento sabem muito bem que os rumos trilhados pela economia, nesta hora de tremendos disparates globalizantes, continentais, nacionais, regionais, carecem urgentemente de impactantes corretivos. As correções a serem feitas terão que estar compatibilizadas naturalmente com os ditames da cidadania, o sentimento democrático e os valores humanísticos e espirituais que conferem dignidade à aventura humana. As coisas não podem continuar indefinidamente do jeito que andam sob pena de se deixar largada à cobiça, ambição e mesquinhez de poucos a construção de um destino que se descortina catastrófico pra todos. Transformando o dinheiro em ícone sagrado nas ações ruidosas com que movimentam as engrenagens sociais, numerosos detentores do poder político e econômico, com a responsabilidade de quem se acredita a emitir, por desígnio divino, éditos imperiais para a coletividade inteira, só fazem alargar, insensata e incessantemente, o fosso que separa o pedaço do mundo povoado pelos pouquíssimos que têm muito de tudo, do pedaço habitado por multidões desprotegidas que pouco ou nada têm.

A distribuição da riqueza mundial é extremamente perversa. Um pequeno exemplo. Cingapura é um dos menores países desta nossa ilhota perdida no oceano cósmico. A bem dizer, não é um país. É mais uma cidade pomposamente rotulada de país. Não extrai nadica de nada do solo. Sua ostensiva pujança, cantada pela “neobobice” em verso e prosa, deriva de situações puramente artificiais, engendradas nos altos conselhos dos grandes cartéis e da megaespeculação financeira.

Singulares critérios geopolítico-econômicos fazem do minúsculo território, que é regido por figurino governamental despótico, onde as pessoas podem ser severamente punidas pelo “crime” de transportar no bolso goma de mascar, um centro de polarização de investimentos algumas vezes superiores à movimentação financeira de todos os países, juntos, do continente africano. O jogo dos interesses econômicos e a gula insaciável, para exemplificar, dos setores bélico, petrolífero, farmacêutico traçaram destinos muito diferentes para Cingapura e para a África. Tai devidamente caracterizada uma colisão da “economia” com a vida.

    
Cumplicidade muito estranha

Cesar Vanucci

“Os interesses geopolíticos são, às vezes, medonhos.”
(Antônio Luiz da Costa, educador)


A geopolítica tem “razões” que a própria razão desconhece. A cumplicidade dos governos das grandes potências com os interesses da Arábia Saudita documenta isso magistralmente. O país, feudal, retrógrado, é comandado com mão de ferro por uma realeza dócil às corporações petrolíferas. Os direitos humanos são ali sistematicamente espezinhados. Um fundamentalismo religioso radical, de forte influência na comunidade, opera ininterruptamente como fonte matricial em ações de terroristas que apavoram o mundo.

Essas circunstâncias negativas todas, denunciadas por jornalistas isentos, caso do famoso Michael Moore, já premiado com um Oscar, não impedem em nada continue a Arábia Saudita a desfrutar de prerrogativas e privilégios no conceito universal, graças a poderosos aliados que fingem nada saber do que ali costuma incessantemente rolar.

A ser verdade o que uma rede estadunidense de televisão mostrou, algum tempo atrás, o governo dos Estados Unidos conservou oculta da opinião pública uma informação muito importante relacionada com os atentados terroristas de 11 de setembro. Ao ser editado o vídeo, levado ao ar numa cadeia mundial, em que o líder da Al Qaeda, Osama Bin Laden, aparecia rodeado de prosélitos, a comentar as brutais ocorrências, suprimiu-se trecho, assaz elucidativo, onde o feroz personagem fazia alusões claras, com entusiasmo, ao apoio recebido, em suas empreitadas terroristas, das lideranças religiosas que comandam os destinos da Arábia Saudita. Segundo o que chegou a ser divulgado, no trecho suprimido, Bin Laden falava de seu perfeito entrosamento, nas ideias e atos amalucados, com os mulás wahhabitas que dominam, a partir da influência exercida sobre a casa real saudita, a vida política, espiritual e social naquele misterioso país, apontado pelos Estados Unidos como o mais “leal” dos aliados no mundo árabe. E que, coincidentemente, é o detentor no Oriente das maiores reservas petrolíferas. Laden chegou a afirmar que a colisão dos aviões com as torres conduzidos por pilotos fanáticos – todos coincidentemente sauditas - foi celebrada nas mesquitas de Riad como uma forma gloriosa de sublimação religiosa.

Com base nas escassas informações que conseguiram superar o silêncio oficial a respeito de tão desconcertantes revelações, sabe-se que, na época, porta-vozes da Casa Branca ensaiaram uma explicação que acabou se revelando insuficiente e inconsistente, no ver de abalizados analistas da política internacional. O trecho suprimido seria, segundo os porta-vozes, de audibilidade imprecisa. Desse curioso comportamento oficial estadunidense, pode-se defluir que poderosas injunções geopolíticas, por maior que tenha sido o mal-estar produzido pelos desconcertantes fatos, “desaconselharam” o reconhecimento de que o “leal amigo” não é lá tão leal assim. O embrulho ficou maior quando se relembra o compromisso enfático do então presidente George Bush de atacar o terrorismo em qualquer lugar do mundo onde ele estivesse encastelado. Não padecem dúvidas quanto ao teor extravagante da retórica presidencial. Parece de todo inconcebível, na estratégia estadunidense, cumprir-se a tal promessa, em se tratando da Arábia. As tropas americanas acantonadas no território estão ali para defender consideráveis ativos petrolíferos. Não, por certo, valores éticos e democráticos.

Diante do exposto fica fácil entender das razões pelas quais os EUA sempre fizeram e continuarão fazendo, não importa se a Casa Branca seja ocupada por republicanos ou democratas, vista grossa ao que ocorre na Arábia Saudita, em termos de sistemáticas violações dos direitos humanos fundamentais. Engasgada em contradições, cuidará sempre de bem absorver eventuais hostilidades das lideranças fundamentalistas que ali vivem, mesmo sabedora de suas estreitas relações com os terroristas de ontem, caso da Al Qaeda, ou de hoje, caso do EI. As conveniências negociais petrolíferas falam mais alto que quaisquer outros interesses.



sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Efervescente atividade literária

Cesar Vanucci

“Procurar Deus onde ele não se encontra. 
A atividade literária é exatamente isso.”
(Fernando Sabino)

A aconchegante sede da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais (Amulmig), plantada no alto da Afonso Pena, proximidades da Praça do Papa, em rua que tem nome de laureado escritor (Agripa de Vasconcelos), em BH, vem sendo palco constante de reluzentes eventos culturais. A “Casa de Francisco de Assis”, padroeiro da entidade, funcionando em prédio de feição singela, que conserva os traços criativos de Oscar Niemeyer, que o projetou a pedido do grande JK – cujo nome enobrece a galeria dos associados da instituição -, abre as portas semanalmente para concorridas assembleias. A programação, sempre pontilhada de espírito fraternal e colorido humano, oferecendo denso conteúdo intelectual, contempla palestras, comemorações cívicas, estudos e debates de temas atuais, audições musicais e... por aí vai.

A “terça Amulmig” do dia três de outubro foi reservada a acontecimento literário muito especial: a entrega solene dos prêmios do disputadíssimo “Concurso Literário de Prosa e Poesia – 2017”, tradicional promoção da entidade. Como de hábito, centenas de contistas e poetas, do Brasil e do exterior, enviaram trabalhos. Os acadêmicos incumbidos de lê-los e classificá-los consideraram o nível das criações literárias excepcional.

A escritora Renata Fonseca Wolff, de Porto Alegre (RS), arrebatou o primeiro lugar na categoria “Conto”, com o título “Rascunhos”.  O soneto “Quando”, de autoria de Matusalém Dias de Moura, de Vitória (ES), fez jus à melhor classificação na categoria “Poesia”. A coordenação geral do concurso esteve a cargo da Acadêmica Angela Togeiro, já por várias vezes ganhadora de prêmios literários no Brasil e no exterior.

Passamos aos leitores na sequência a relação completa dos resultados de mais essa significativa empreitada cultural da Amulmig.
Categoria Conto – 1º lugar: “Rascunhos”, autor: Renata Fonseca Wolff, Porto Alegre (RS); 2º lugar: “Objetivo”, Matheus Ferraz, Contagem; 3º lugar: “Oferenda”, Ignez Montepulciano Santos de Oliveira, Belo Horizonte. Menções honrosas (contos) – 1ª menção, “Almas de papel”, Edileuza Bezerra de Lima Longo, São Paulo; 1ª menção, “O fazedor de borboletas”, Airton Souza, Marabá(PB); 2ª menção, “Fabulosa paixão”, Luciane Maria Couto Cunha, Contagem; 2ª menção, “TPM”, Lóla Prata, Bragança Paulista (SP); 3ª menção, “O mestre e os discípulos”, Humberto del Maestro, Vitória (ES). Menções especiais (contos) – 1ª menção, “Na loja de ervas”, Cristina Bresser de Campos, Curitiba (PR); 2ª menção, “A gravura sem nome”, Josafá Paulino de Lima, Campina Grande (PB); 2ª menção, “Senilidade”, André Eitti Ogawa, Florianópolis (SC); 2ª menção, “Despedida”, Josina Nunes Drumond, Vitória (ES); 3ª menção, “Parece que falta alguma coisa”, Vanda Maria Jacinto, Mossoró (RN); 3ª menção, “Presente de aniversário”, Marcelo Gomes Jorge Feres, Rio de Janeiro; 3ª menção, “O dever e o desejo de Piatã”, João Lisboa Cotta, Ponte Nova (MG); 3ª menção, “Assim como os Anjos”, Celso Kallarrati, Teixeira de Freitas (BA). Categoria Poesia – 1º lugar: “Quando...”, Matusalem Dias de Moura, Vitória (ES); 2º lugar: “Andante”, Josina Nunes Drumond, Vitória (ES); 3º lugar: “Violões”, Humberto del Maestro, Vitória (ES); 3º lugar: “Manhã”; Marina Biagioni Marques, Conselheiro Lafaiete (MG). Menções honrosas (poesia) – 1ªs menções: “Versos meus”, Angela Cristina Fonseca, Belo Horizonte; “Coser”, Elisa Alderani, Ribeirão Preto; “Pelo menos o silêncio”, Josafá Paulino de Lima, Campina Grande (PB); “Poema à engenharia”, José Carlos Baêta, Belo Horizonte; 2ªs menções: “Meus poetas”, Eduardo Ferreira de Souza, Santo André (SP); “Retorno adiante”, Rafael Duarte Caputo, Curitiba; “Nuancas da arte”, Roque Aloisio Weschenfelder, Santa Rosa (RS); 3ªs menções, “O que restou”, Paulo Cezar Tórtora, Rio de Janeiro. Menções especiais (poesia) – 1ª menção, “Ah-manhê-ser”, Dodora Galinari, Belo Horizonte; 2ªs menções: “Sou de lá...”, Regina Rincon Caires, Campinas (SP); “Temperança”, Tatiana Alves Soares Caldas, Rio de Janeiro; 3ª menção,“Conquista”, Ignez Montepulciano Santos de Oliveira, Belo Horizonte. “Certificados de menções especiais – Destaque”. 1.Destaques nacionais: “Amanhã”, Almira Guaracy Rebêlo, Belo Horizonte; “Sou parte”, Elza Aguiar Neves, BH, “Só por hoje”, Lucília Cândida Sobrinho, BH; “Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais”, Maria Lúcia de Godoy Pereira, BH; “Carência”, Zaíra Melillo Martins, Caeté (MG). 2.Destaques Internacionais: “Eternas”, Edweine Loureiro da Silva, Japão; “Poetas de meu país”, Maria José Viegas da Conceição Fraqueza e José Viegas da Conceição Fraqueza, ambos de Portugal.

A ocultação do fundamentalismo saudita

Cesar Vanucci

“Na Arábia Saudita, basta ser homossexual 
para ter o pescoço cortado.”
(Gilles Lapouge, jornalista)

Inconfessáveis conveniências geopolítico-econômicas das grandes potências fizeram da retrógrada Arábia Saudita um baluarte no processo civilizatório e um posto avançado da democracia no conturbado mundo árabe.

A mídia internacional oculta, com exagero de cuidados, os infindáveis atentados cometidos nesse reino feudal contra a dignidade humana. Isso leva um certo noticiário, de desbordante farisaísmo, a celebrar, por exemplo, como grande conquista social a promessa da realeza do país em conceder às mulheres o “direito” de virem, em futuro próximo, provavelmente em meados do ano da graça de 2018, a dirigir veículos de passeio, ora, veja, pois...

É preciso desfazer esses equívocos de encomenda a respeito do reino saudita. E é oportuno saber, pra começo de conversa, que a Arábia é detentora de colossal arsenal bélico, superior ao de muitos outros países, de qualquer continente, de porte médio pra grande. Fornecido, obviamente, por aliados poderosos.

A Arábia Saudita é, no duro da batatolina, tão fundamentalista quanto o Afeganistão do tenebroso ciclo talebã. A fanatice dogmática vigorante naqueles domínios tem também influência nas exacerbadas manifestações teóricas e práticas levadas a cabo, para pavor geral, pelo sinistro ISIS. Mas, nada obstante, os sauditas são  inexplicavelmente poupados, conservados de lado, nas cerradas e justificadas condenações internacionais às violências contra direitos fundamentais atribuídas ao extremismo islâmico. Os desatinos de toda sorte ali cometidos, por intérpretes confusos do Alcorão - um livro sagrado merecedor de respeito pelos sábios conceitos espirituais emitidos -, são deletados, via de regra, do noticiário nosso de cada dia. O padrão de tratamento midiático dispensado à proliferação de abusos configura, no mínimo, indulgente discrição. A condição do país de detentor das maiores reservas petrolíferas do Oriente, exploradas por corporações empresariais com matrizes em potências de influência decisiva nos destinos do mundo, explica, com certeza, a “razão” da escassa divulgação dada ao que, de suma gravidade, rola rotineiramente nos ermos sauditas.

São objeto ali de proibição, entre outras coisas, o álcool, a dança, a astrologia, o emprego das “perigosas” expressões “papai” e “mamãe” no convívio familiar, a “pecaminosa participação mista em cinemas e educandários. Uma mulher, mesmo ocidental, que ouse sair na rua com trajes despojados, “afrontosos” à moral e costumes, é açoitada publicamente pelos vigilantes “guardiães da fé”.

O obscurantismo das leis chega a extremos inimagináveis. A Arábia é o único país do orbe terráqueo a punir com pena de decapitação os chamados “desvios sexuais”. Volta e meia, pessoas acusadas sumariamente pelo “horrendo crime da homossexualidade”, são decapitadas em praça pública, a golpes de sabre. Esse processo bárbaro de avaliação da conduta social produziu, num único recente ano, 80 vítimas. Os registros midiáticos de tão aterrorizantes fatos são inexpressivos.  ONU, grandes potências, e – não se sabe bem porque - as próprias organizações consagradas à defesa dos direitos humanos se fecham também, estranhavelmente, em copas, a respeito do assunto.

O jornalista Gilles Lapouge, numa correspondência, anos atrás, sobre as atrocidades que ocorrem no país que abriga Meca, considerado o lugar mais sagrado na veneração religiosa islamita, não poupa críticas às reações da sociedade internacional face às coisas acontecidas em paragens sauditas. Lembra que o assassinato de homossexuais documenta que a dinastia saudita - tida por muitos como modernista e esclarecida, por trás de sua vitrine suntuosa de magnatas do petróleo, “bons e leais amigos do Ocidente” etecetera e tal – adota métodos na atuação política e administrativa de inaudita ferocidade. O mesmo jornalista denuncia que na Arábia acontecem coisas muito piores que no Afeganistão à época do controle talebã. Os Saoud da família real, encastelados em sua cidadela petrolífera, desfrutam de total imunidade (e impunidade) pra tudo. Liberdade de expressão é algo que passa longe, anos luz de distância, das cogitações oficiais. A escravatura – pasmo dos pasmos! – ainda não foi banida dos pagos sauditas. O descabimento dos atos dos dirigentes jamais é criticado, por exemplo, pelos Estados Unidos. A comunidade internacional, representada pela ONU, não costuma apor sanções ao país por essa prática ininterrupta de atentados à dignidade humana.


A realeza saudita anda a reboque da seita religiosa mais arcaica do mundo muçulmano. Os wahhabitas, perto dos quais sunitas e xiitas, mesmo os mais radicais, não passam de meros aprendizes de feiticeiros. Alá proteja quem, desventuradamente, ouse cruzar os caminhos desses tresloucados espécimes da exasperação fundamentalista.






A SABEDORIA DE SHAKESPEARE


"Punhais escondem-se atrás do sorriso dos homens". - Macbeth

“O amor não sobrevive num coração tomado pelas sombras”.- O Rapto de Lucrécia.

“Se o amor fosse cego, ele jamais conquistaria”.- Romeu e Julieta

“Alguns cupidos matam com flechas,outros com ciladas”.- Muito Barulho por Nada

“O mundo é um palco imenso, e todos os homens e mulheres, meros atores”.- Como Gostais

“A beleza atrai ladrões mais depressa que o ouro”- Como Gostais 

“A esperança é o único remédio que sobra para os miseráveis” – Medida por Medida.

Em caso de bebedeira, eis um conselho retirado de Macbeth:
“A bebida provoca o desejo, mas acaba com o desempenho”

A SAGA LANDELL MOURA

Pacto sinistro

                                                                                              *Cesar Vanucci   “O caso Marielle abriu no...