sexta-feira, 29 de julho de 2011

Lembranças sugestivas

Cesar Vanucci *


“A música é barulho que pensa.”
(Victor Hugo)

Um reclame de sabonete, uma resolução em vias de ser implantada na rede de ensino e um filme narrando a historia de um ídolo do “futebol americano”, mostrados sequencialmente numa noite dessas pela tevê, despertaram-me lembranças adormecidas bastante sugestivas.

A marca de sabonete de que se está falando é “Lifeboy”. Anoto vivo empenho publicitário, na atualidade, em se proclamar a excelência do produto. E não é que, coisa de mais de meio século atrás, esse sabonete despontava como campeão absoluto de vendas? Batia retumbantemente na predileção do freguês - um cara que tem sempre razão, como se diz por aí - até mesmo o sabonete “Lever”, “o preferido de nove entre dez estrelas do cinema”, como saborosamente se recorda. Especialistas em marquetagem houveram por bem (ou por mal), determinado momento, em agregar às já devidamente decantadas propriedades daquele insuperável sabão fino e aromatizado outro poderoso elemento atrativo. Bolaram “genial” campanha, levada com o maior espalhafato ao rádio e imprensa (a televisão ainda não operava em escala nacional). Nas linhas gerais, a informação publicitária lançada chamava a atenção de todos, estimulando até um certo sentimento de repugnância, para o “cc”, quer dizer “cheiro de corpo”. O“Lifeboy” surgia, aí, como a cura providencial para o mal. A “marca” “cc” pegou. Tornou-se definição pronta e acabada de odor desagradável provocado por asseio corporal insatisfatório. Foi até dicionarizada como cê-cê. Já a marca do sabonete miraculoso – em condições de eliminar instantaneamente cheiros indesejáveis numa época em que o consumidor não contava ainda com essa inesgotável batelada de produtos de higiene pessoal despejada nas prateleiras pela indústria farmacêutica e de cosméticos – pagou tributo pesadíssimo pela ousada propaganda. Uma propaganda, viu-se logo, concebida ao arrepio de conhecimentos mais aprofundados da psicologia popular. A associação do sabonete com o cê-cê afugentou a freguesia fiel, a ponto de o “Lifeboy” ser compelido a tomar “chá de sumiço” por um tempão. Bota tempão nisso! Renasce, agora, das cinzas, com feição atraente, disposto a reocupar lugar de realce no gosto popular.

Já a resolução do MEC que andou me chamando a atenção é aquela que estabelece para o ano a inserção obrigatória da cadeira de Música no currículo das escolas. Confesso em boa e leal verdade, sem esconder um ligeiro constrangimento, que ainda não ficara sabendo bulhufas da retirada da “Música” do processo de formação escolar de nível fundamental e de nível médio desde os bons tempos em que atuei como diretor de unidades de ensino na Capital e Interior. Da boa experiência acumulada no Sesiminas, onde implantei, atuando como diretor de ensino, sem prejuízo doutras funções executivas no Sistema Fiemg, a rede de “ginásios orientados para o trabalho” (os famosos GOTs) conservo uma recordação de cunho simbólico a propósito do trabalho de orientação musical proporcionado aos alunos. O simbolismo da situação deriva do clima de obscurantismo cultural enfrentado, volta e meia, naquele período, em função do regime político dominante. Preparávamos, no GOT central, localizado na chamada “praça da Cemig”, comecinho de Contagem, uma festa cívica comunitária. A programação contemplava números musicais a cargo do coral. Uma das melodias escolhidas era “Aquele abraço”, de Gilberto Gil. Melodia de gingado e bossa bem brasileiros, ainda hoje, tantos anos passados, frequentadora das paradas de sucessos. Mas a música acabou não sendo cantada. O encarregado da apresentação explicou-se depois: resolveu deletá-la por temer alguma repercussão negativa envolvendo o educandário, já que a canção figurava, segundo soubera, numa relação de criações artísticas vistas com desconfiança pelas autoridades, por causa da letra de conteúdo “suspeitoso”, bem como pela situação de exilado do compositor Gil, “convidado” a deixar o país por algum tempo junto com o parceiro Caetano Veloso.

O retorno dessa disciplina aos currículos é uma boa. “A música é barulho que pensa”, como diz Victor Hugo. “Onde há música, não pode haver coisa má”, assevera Cervantes. A preparação das crianças e jovens para o jogo da vida ganha substancioso reforço com a adoção da medida preconizada.

Ficam para comentário vindouro as considerações concernentes ao filme que focaliza a história de um famoso astro negro do futebol estadunidense.

* Jornalista (cantonius@click21.com.br)



Um filme e uma lembrança


“Não há problema negro, há apenas um problema branco.”
(Richard Wright, escritor negro estadunidense)

O filme a que aludi no comentário anterior, quando me reportava a lembranças sugestivas suscitadas por imagens mostradas na televisão, é “No limite”, lançado em 2008, estrelado por Darrin Dewitt Henson e Dennis Quaid. Não sei dizer se para engabelar incautos telespectadores, mas acontece da fita ser também projetada, às vezes, com outro título: “O expresso”.

Mas no que verdadeiramente importa às considerações que me proponho a fazer, “No limite”, ou “O Expresso”, inspirado em comovente história real, trata da (curta) trajetória de vida (1939 a 1963) de um ídolo negro do chamado “futebol americano”, Ernie Davis. O primeiro afro-americano a conquistar o cobiçadíssimo “Troféu Heisman”, atribuído a atletas que logrem escalar o topo himalaiano nessa truculenta modalidade esportiva disputada por corpulentos atletas com indumentárias parecidas com as dos astronautas e bolas ovaladas, em gramados que lembram nossos campos de futebol. Os tempos de garoto de Davis, que vivia com os avós na Pensilvânia rodeado da ira racista dos vizinhos, sua mudança, em companhia da mãe, para Nova Iorque, onde continuou a sofrer rejeições ultrajantes na convivência comunitária, por conta de sua epiderme, são retratados com toda crueza. A discriminação alveja-o também na chegada à Universidade de Siracusa e até mesmo no período em que, por força de grande talento, passa a integrar a equipe de futebol da instituição. Nada disso impede que se torne em curto espaço de tempo um dos maiores astros do “futebol americano” de todos os tempos. Célebre ainda pelas posições destemidas em defesa dos direitos civis, dentro e fora do campo, Ernie Davis, falecido aos 23 anos, vítima de leucemia, representa ainda hoje uma fonte de inspiração para os militantes dos movimentos em favor da igualdade racial. Num dos momentos emblemáticos da narrativa cinematográfica, o atleta é informado, pelo treinador, após triunfante façanha da equipe, graças à sua atuação, que sua presença na festa comemorativa estava sendo vetada por causa da cor. Na mesma hora, os companheiros do time, brancos na grande maioria, tomam a dignificante decisão de boicotar a celebração, escolhendo uma casa de diversão frequentada pela comunidade negra para o festejo programado. As cenas relativas a essa parte do enredo em particular reavivaram-me na memória velha de guerra um episódio, de feição muito assemelhada, transcorrido aqui em Minas Gerais, marcado pelo contrário por uma atitude de rematada pusilanimidade.

Conto, ou melhor volto a contar como aconteceu.

Anos 60. O Palmeiras acabara de conquistar o campeonato sul-americano de basquetebol. O feito ganhou repercussão nacional. O Jockey Club de Uberaba, possuidor já naquela época de um dos mais belos e imponentes complexos destinados ao lazer e desporto no país, resolveu convidar o sexteto vitorioso para uma exibição em seu ginásio. Evento prestigiadíssimo. Público vibrante compareceu à partida de basquete, fazendo coro com o Jockey nas homenagens prestadas na quadra aos atletas visitantes.

À delegação do Palmeiras ofereceu-se, depois, um baile de gala. Só que com um porém. Numa demonstração imperdoável de racismo, deu-se a conhecer que não seria permitida a presença dos atletas negros. Eram dois. Um deles, principal astro, conhecido por Rosa Branco. Ironicamente, o Rosa, chamado de Branco, foi barrado no baile justamente por não sê-lo. (Esse atleta, falecido há poucos meses em São Paulo, desfrutou no apogeu da carreira prestigio equivalente ao de Oscar).

O gesto foi acompanhado, da parte da comitiva do Palmeiras, de um ato de pusilanimidade incrível. Os palmeirenses brancos, dirigentes e atletas, deixaram os colegas alvo da odiosa discriminação no hotel e compareceram maciçamente à festa, embasbacados com os rapapés programados, como se nada de singular tivesse ocorrido.

Extrai-se daí uma medida exata da falta de sensibilidade social que, de forma mais intensa que hoje, prevalecia naquela época nesses domínios perturbadores da convivência interracial.

Indignado com o acontecido utilizei as páginas do  extinto "Correio Católico" (diário com doze mil assinantes no período em que circulou) e o microfone da Rádio Difusora para críticas veementes. Os responsáveis pelo absurdo procedimento, tentando tapar o sol com peneira, contestaram as evidências. Veladas ameaças foram postas a circular. Falavam em eliminar do quadro de sócios do clube a "cambada de jornalistas", todos "extremistas", comprometidos com as denúncias. Uns dois diretores do clube, mais sensatos, não só se opuseram à tresloucada idéia, como se animaram, até mesmo oferecendo a mão à palmatória, a procurar o jornal e a rádio, pedindo desculpas pela besteira. As inconsistentes contestações e ameaças motivaram-me a desnudar outros aspectos dolorosos do problema da discriminação racial.

Entre as manifestações de solidariedade recebidas figurou a de um dirigente destacado de outro clube da cidade. Cidadão simpático, trazia definidos na tez amorenada traços de ancestralidade negra. Ao cumprimentar-me "pela corajosa atitude assumida no incidente Rosa Branco", ele esclareceu que "em seu clube um absurdo desses jamais ocorreria." Acrescentou, triunfante: "– Lá, não proibimos pretos de frequentar bailes. O que eles não podem é sair dançando. Cada um no seu lugar..."

Como bem diz o escritor norte-americano mencionado no intróito, colocando o assunto da segregação racial no enfoque correto, o que existe, por esse mundo afora, em matéria de discriminação contra negros, não passa apenas de "um problema branco." Um baita problema!





Na próxima edição do “Blog do Vanucci”,
iniciarei uma série de relatos sobre o
 tema OVNIs, com algumas revelações
que podem surpreender muita gente.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Por essa ninguém esperava

Cesar Vanucci *


“É preciso espantar-se de tudo e não ter medo de nada.”
(Sandor Torok)

Se a intensidade do espanto provocado por alguma coisa inusitada pudesse ganhar sonoridade, o rebombar ensurdecedor de trovões de uma madrugada tempestuosa inteira serviria para configurar, por certo, o barulho mais próximo que consigo conceber pra explicar a reação que tive ao me inteirar dos números reais da dívida oficial acumulada do Estado de Minas Gerais.

Para mim, bem como para várias pessoas que me dei ao trabalho de consultar, o apregoado “choque de gestão” com “déficit zero”, cantado em verso e prosa numa orquestração marqueteira ininterrupta, retratava fielmente, sem margem a contestações, a real situação do endividamento do Estado. Nunca poderia passar pelo meu bestunto a idéia de que fossem meras expressões de cunho retórico sem comprometimento com a verdade cristalina dos fatos.

Quando, agora, por força de recente avaliação procedida por auditores altamente confiáveis, chega-se à desconcertante constatação de que a dívida de Minas alcança, na hora presente, a colossal soma de 67 bilhões de reais, situando-se bem acima do orçamento estadual para o exercício em curso, confesso, humildemente, que a revelação só não me fez cair do cavalo, porque não cultivo mesmo o saudável e invejável hábito de cavalgar de alguns diletos amigos e parentes considerados expertos nessa arte.

E se é possível, depois de tal constatação adicionar ainda mais espanto à reação do cidadão comum no tocante à rumorosa questão, aqui vem outra informação de queimar a mufa. A dívida de 67 bilhões, segundo especialistas e gente do próprio governo, é simplesmente impagável.

Falando sinceramente, dá pra dormir sossegado com uma barulheira desse tamanho, com uma encrenca dessas proporções?

Só pra fins de comparação: 67 bilhões de reais correspondem a 42,5 bilhões de dólares. O PIB do Uruguai e da Guatemala é de 40 bilhões de dólares. O do Panamá, de 24 bilhões de dólares. Bolívia e Paraguai 17. El Salvador, 21. Chile, 163. Portugal, 227. Colômbia, 230. Argentina, 308.

Por essa, palavra, ninguém esperava.


Ÿ Todo mundo anda torcendo para que a Presidenta Dilma Roussef avance um pouco mais no desfazimento de algumas alianças inconvenientes. No ver de amplos setores da opinião pública, que se revela simpática às ações do Governo, a relação de elementos não qualificados nas altas esferas gerenciais, candidatos em potencial a percorrerem o mesmo caminho dos servidores defenestrados no Ministério dos Transportes, carece ser ampliada. Quem não serve para servir com espírito público não serve para ficar em funções de comando, esta a indefectível regra da gestão republicana e democrática a que todos os exercentes de função relevante têm que se render.


Ÿ O ex-presidente do BNDES Carlos Lessa, em entrevista a “CartaCapital”, reaviva tese sustentada pelo saudoso Vice José Alencar. “Os juros – diz ele – se desviam dos padrões mundiais de forma terrível. As empresas estão mais preocupadas com o resultado não operacional do que com o operacional. Se não são elas que emitem dívida, há algum emissor de dívida na sociedade. E é o setor público, de um lado, e as famílias que estão aí pagando prestações.” Lessa teme que o aperto monetário, em sequência a um ano de alto crescimento do PIB, seria a prova de que o País ainda esteja fadado a dar “voos de galinha”.

* Jornalista(cantonius@click21.com.br)


Dois temas momentosos


“São cruéis e irreparáveis os danos causados
por jornalistas que renegam sua bela missão.”
(Antônio Luiz da Costa, professor)

Ÿ Que história mais escabrosa, minha Nossa Senhora d’Abadia D’água Suja, essa do jornal inglês “News of the world”! Com 168 anos de circulação e tiragem superior a 2 milhões de exemplares, o famoso semanário vê-se, de repente, forçado a interromper suas atividades diante do clamor popular erguido contra as malvadezas incessantes que andava perpetrando, alvejando pessoas, instituições e a harmonia comunitária. Estarrecida, a opinião pública britânica deu-se conta, num determinado momento, de que o periódico sensacionalista, integrante do maior império midiático planetário (a “News Corp”), pertencente ao célebre magnata australiano Rupert Murdoch, dono também, entre outros veículos, da Fox News, vinha praticando, não é de hoje, em frenética disputa por informações de “primeira mão”, toda sorte de ignomínias contra a cidadania, sem excluir chantagem e subornos.
Envolvido, na mais atordoante escala, em grampeamentos telefônicos, valendo-se nessas mafiosas operações do prestimoso concurso de “arapongas” recrutados na “banda podre” da polícia, o jornal invadiu a intimidade de cidadãos de todas as categorias. De autoridades e celebridades à gente comum. Tudo com propósitos os mais torpes.
Ao sair definitivamente de circulação, com uma carga respeitável de processos judiciais na cacunda, o “News of the World” entra estridentemente nos registros históricos desta nossa conturbada época, com toda a força de sua longevidade e penetração, como o exemplo mais frisante, mais nefasto, provavelmente de todos os tempos, do chamado “jornalismo marrom”.


Ÿ Houve, na França, quem classificasse o incidente protagonizado por Strauss-Kahn, ex-diretor do FMI, de uma espiral de horror e calúnia. Se a alegação, formulada obviamente por pessoas que crêem em sua inocência quanto à acusação de violência sexual, é correta ninguém saberá dizer com certeza. Mas que paira algo nebuloso, pra não dizer muito estranho, ao redor das denúncias de que foi alvo o ex-candidato (conforme os rumos que venham a ser trilhados daqui pra frente pela carruagem, talvez até, ainda, futuro candidato) da oposição à Presidência da França, ninguém em sã consciência, a esta altura, pode negar. A reviravolta na reação da Justiça estadunidense dá margem ampla para imaginar-se que houve, no mínimo, um açodamento grande na incriminação do personagem. Decorrente, bem provável, da função de realce por ele ocupada no cenário político e  no mundo dos negócios internacionais. E até mesmo a hipótese de uma armação com o intuito de torpedear sua eventual candidatura ao governo de Paris não pode ser de todo descartada.
Caso é que a argumentação da camareira que se apresentou como vítima da agressão começa a ser desfeita com a divulgação de lances negativos de sua vida pessoal. Entre outros, indícios de envolvimento com mafiosos ligados ao comércio de drogas e a extorsões.
Um dado assaz intrigante veio a lume quando da quebra da fiança e da ordem de libertação expedida pela Justiça. Uma conversa telefônica da camareira com alguém identificado como seu amante, no próprio dia em que a ocorrência criminosa foi registrada, teria convencido a promotoria de que a suposta vítima faltou com a verdade na versão que ofereceu dos acontecimentos. A revelação faz brotar inevitável pergunta: se havia grampeamento telefônico desde o primeiro momento do rumoroso incidente, o esquema de arapongagem eletrônica foi montado por quem, por ordem de quem e com que finalidade? Mais: esse curioso monitoramento terá contemplado também os contatos telefônicos do candidato em potencial ao governo da França durante sua permanência no hotel de luxo em Nova Iorque?
Taí uma história fadada a render ainda outros imprevisíveis desdobramentos. Esperar pra ver.

* Jornalista(cantonius@click21.com.br)


Bolsa e Petrobras de novo


“A Petrobras galgou 20 posições na
 relação das maiores empresas do mundo.”
(Revista “Fortune”)

Ÿ Já falei algo a respeito pratrazmente. Reforço os argumentos expendidos com mais outras elucidativas revelações. Não consulta definitivamente o bom senso, não resiste a uma análise crítica exigente, face aos excepcionais resultados acumulados pela empresa, o sofrível desempenho dos papéis da Petrobras na Ibovespa. Uma única explicação se afigura razoável para o caso: os negócios na Bolsa são balizados, em boa parte, por conveniências especulativas. Aos especuladores de alto coturno parece não agradar a condição jurídica da vitoriosa estatal petrolífera.
Como já disse, essa impressão é de molde a gerar uma certa suspeição, por parte do cidadão comum, com referência às chamadas atividades bursáteis, delas afastando contingente expressivo de investidores em potencial.
Falei acima de outras revelações elucidativas concernentes à performance da Petrobras. Chegada a hora de mencioná-las. A estatal voltou a ser apontada, na tradicional lista das 500 maiores do mundo, elaborada pela revista “Fortune”, como a maior empresa brasileira. Entre 2009 e 2010, com faturamento de quase 190 bilhões de reais e lucro de 23 bilhões, a companhia escalou 20 posições – repita-se, 20 posições – na relação geral. Pulou do 54º lugar para a 34ª posição. Na liderança das 500 empresas figura a maior rede varejista do universo: a Walmart. Vejam mais este dado: caso a listagem houvesse sido elaborada com base nos lucros (e não no faturamento) auferidos pelas empresas, a Petrobras subiria para o oitavo lugar, ultrapassando a própria Walmart, que desceria para a 13ª colocação.
Qual a razão de na Bolsa de Valores essa esplêndida performance da Petrobras nunca ser devidamente projetada?


Ÿ Nada, a princípio, contra as chamadas PPPs. A junção de forças Estado – Iniciativa Privada em torno de determinados empreendimentos de relevância comunitária é uma fórmula que pode, perfeitamente, ser colocada em execução e redundar em frutos compensadores na escalada desenvolvimentista. Mas, por favor, sem essa – conforme o alerta que vem sendo feito por respeitáveis lideranças da sociedade, apoderadas de compreensível indignação a propósito de certas tratativas em andamento – de se procurar compor parcerias na base marota da estatização do investimento e da privatização do lucro. Algo assim agride virulentamente o respeitável interesse público. Tende mais pra maracutaia do que pra negócio a ser encarado com seriedade.


* Jornalista (cantonius@click21.com.br)

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Perguntas que não calam


Cesar Vanucci *


“Uma pergunta sem resposta é um engasgo contínuo.”
(Antônio Luiz da Costa, professor)


Quinze anos passados, a tremenda farsa criminosa foi oficialmente desfeita. O Supremo Tribunal Federal acaba de confirmar, de maneira cabal e insofismável, aquilo que todo mundo neste vasto território brasileiro – incluídos aí os aborígines das derradeiras tribos a serem ainda contatadas pelos sertanistas da Funai – estava calvo de saber.

PC Farias, considerado o elemento mais bem informado do colossal esquema de corrupção que arrastou os “cara pintadas” pras ruas e provocou o impedimento de Fernando Collor, não foi vítima de crime passional coisissima nenhuma. Ao contrário do que as autoridades alagoanas na época insistiram em alardear – sabe lá o diabo com que malignos intuitos! – louvados em laudos periciais fajutos, a trágica morte do ex-fiel tesoureiro da campanha do Presidente deposto não se deu em razão de disparos de revolver feitos por Suzana Marcolino, sua namorada. Namorada essa, como se recorda, que além de “eliminar” o parceiro, “acometida” de “sufocante remorso”, resolveu, logo após perpetrar o homicídio, em “ato de desespero”, com um tiro fatal na cabeça, “deixar” também, pra sempre, este nosso vale banhado de lagrimas.

Ambos, os dois, PC e Suzana, foram, isso sim, vítimas de assassinato encomendado por personagens até hoje, inexplicavelmente, não identificados. Esses misteriosos mandantes contrataram os serviços de pistolagem dos próprios seguranças da vítima. A saber, Adeildo dos Santos, Reinaldo Correira de Lima Filho, Josemar dos Santos e José Geraldo Silva, todos eles, ainda hoje, ao que se sabe, prestadores de serviços regulares a familiares de PC.

Analisando o farsesco processo em derradeira instância, o ministro Joaquim Barbosa, do STF, resolveu, agora em junho, debaixo de estranhável silêncio por parte da mídia, acolher a sentença, proferida em novembro de 2002, pelo Juiz Alberto Jorge Correia Lima, de uma das Varas Criminais de Maceió. A sentença em causa determina que os ex-seguranças de PC, denunciados em 1999 pelo Ministério Público, juntamente com o então deputado Augusto Farias, irmão da vítima, como autores do duplo homicídio, sejam conduzidos a julgamento popular. O nome de Augusto Farias foi excluído, na decisão do STF, da relação dos acusados sob a alegação de inconsistência de provas.

Os denunciados comparecerão a júri, provavelmente em setembro vindouro. Quem sabe se, até lá, outras revelações não possam vir a público! Posto que definida legalmente, pela mais alta Corte da Justiça no país, a verdadeira natureza do evento criminoso ocorrido em 23 de junho de 1996, em Guaxima, litoral alagoano, ficará restando ainda a ser devidamente esclarecido, a propósito dessa bem configurada “queima de arquivo”, um bocado de coisas. Coisas desse gênero: quem foi ou quem foram os mandantes do duplo assassinato? Relembremos que César Farias havia sido convocado pela Câmara dos Deputados a prestar depoimento numa CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito). O interrogatório foi programado para a mesma semana em que acabou ocorrendo o sanguinário atentado. O objetivo da CPI era apurar o relacionamento promiscuo de algumas empreiteiras com o governo. O que acabou acontecendo, afinal de contas, com aquela investigação? Seguiu em frente? Chegou a alguma conclusão? Ou foi “abafada” após a retirada de cena, em circunstâncias trágicas oficialmente reconhecidas, do protagonista apontado como principal executor das operações ilícitas que envolveram movimentações no exterior de contas fantasmas de elevado valor pecuniário? A lista dos financiadores do esquema fraudulento, quem a possui? Em poder de quem ficou a grana depositada lá fora?

Difícil saber se as respostas a essas perguntas serão, algum dia, trazidas ao conhecimento da sociedade. Mas, de certo modo, a realização do julgamento de alguns dos elementos comprometidos na trama criminosa montada com a finalidade de ocultação dos fatos cria – quando pouco – ambiência propícia para a reabertura de discussões em torno desses incandescentes acontecimentos ligados ao caso mais rumoroso de corrupção registrado na história brasileira contemporânea.


* Jornalista (cantonius@click21.com.br)





“Conselhos” para um belo infarto


Cesar Vanucci *


“Se não puder permanecer no escritório à noite,
 leve tarefas para casa e trabalhe até tarde.”
(Um dos “conselhos” do cardiologista Ernesto Artur)


Não resisto a tentação de passar adiante uma mensagem enviada pelo correio eletrônico por vários amigos, ao mesmo tempo. Imagino que todos eles levaram em conta a hipótese de que este desajeitado escriba acabasse se interessando por divulgá-la, de forma a atrair a atenção de alguns de seus 25 confessos leitores para os valiosos e úteis conselhos, em linguagem bem humorada, transmitidos na mensagem.

O texto tem como autor um cardiologista, Ernesto Artur. Intitula-se “Doze conselhos para se ter um infarto feliz!”

Anotem aí:

“Quando publiquei estes conselhos 'amigos-da-onça' em meu site, recebi uma enxurrada de e-mails, até mesmo do exterior, dizendo que isto lhes serviu de alerta, pois muitos estavam adotando esse tipo de vida inconscientemente. Aqui estão eles, novamente.

1. Cuide de seu trabalho antes de tudo.  As necessidades pessoais e familiares são secundárias.

2. Trabalhe aos sábados o dia inteiro e se puder também aos domingos.

3. Se não puder permanecer no escritório à noite, leve tarefas para casa e trabalhe até tarde.

4. Ao invés de dizer não, diga sempre sim a tudo que lhe solicitarem.

5. Procure fazer parte de todas as comissões, comitês, diretorias, conselhos e aceite todos os convites para conferências, seminários, encontros, reuniões, simpósios etc.

6. Não se dê ao luxo de um café da manhã ou uma refeição tranquila. Pelo contrário, não perca tempo e aproveite o horário das refeições para fechar negócios ou fazer reuniões importantes.

7. Não perca tempo fazendo ginástica, nadando, pescando, jogando bola ou tênis. Afinal, tempo é dinheiro.

8. Nunca tire férias, você não precisa disso. Lembre-se que você é de ferro (e ferro, enferruja!).

9. Centralize todo o trabalho em você, controle e examine tudo para ver se nada dá errado. Delegar é pura bobagem; é tudo com você mesmo.

10. Se sentir que vem perdendo o ritmo, o fôlego e pintar aquela dor de estômago, tome logo estimulantes, energéticos e antiácidos. Eles vão “te” deixar tinindo.

11. Se tiver dificuldades em dormir não perca tempo: tome calmantes e sedativos de todos os tipos. Agem rápido e são baratos.

12. E, por último, o mais importante: não se permita ter momentos de oração, meditação, audição de uma boa música e reflexão sobre sua vida. Isto é para crédulos e tolos sensíveis.

Repita, com entusiasmo, para você mesmo: Eu não sou homem que perca tempo com bobagens. Duvido que você não tenha um belo infarto, se seguir à risca, tão “saudáveis” conselhos.

Anotação adicional importante sobre ataques de coração:

Há outros sintomas de ataques cardíacos, além da dor no braço esquerdo (direito). Há também, como sintomas vulgares, uma dor intensa no queixo, assim como náuseas e suores abundantes.

Pode-se não sentir nunca uma primeira dor no peito, durante um ataque cardíaco. 60% das pessoas que tiveram um ataque cardíaco enquanto dormiam, não se levantaram... Mas a dor no peito pode acordá-lo dum sono profundo.

Se assim for, dissolva imediatamente duas aspirinas na boca e engula-as com um bocadinho de água. Ligue para Emergência (193 ou 190) e diga ''ataque cardíaco'' e que tomou duas aspirinas. Sente-se numa cadeira ou sofá e force uma tosse. Sim, forçar a tosse, pois ela fará o coração pegar no tranco. Tussa de dois em dois segundos, até chegar o socorro. Não deite.

Passe adiante. Alguém, com toda certeza, se beneficiará.


* Jornalista (cantonius@click21.com.br)





Peripécias de orador


Cesar Vanucci *


“Quem fala muito dá bom dia a cavalo.”
(Adágio popular)


Chegou na Associação de Pais e Mestres no finzinho da reunião e foi logo recebendo da Presidente inesperada incumbência: saudar visitantes ilustres do exterior. Professores e estudantes da Pensilvânia, campeões de “wakeboarding”. “Enfatize o feito esportivo. Vamos entregar-lhes um troféu. Temos interesse em fortalecer o intercâmbio com eles.” Foi o que disse a presidente, sem lhe conceder tempo para argumentar, antes de deixar, às carreiras, a sala. Toda festiva, os braços abertos em sinal de fraterna acolhida, caprichando no timbre de voz para os “rauduidus” de praxe, ela conduziu a comitiva até o auditório. “Eles apreciam pontualidade e eu também”, asseverou.

- E essa agora? Questionou-se com os seus botões, pensamento embaralhado, o nosso indigitado orador. Lamentou haver comparecido à reunião. “Não estaria agora a pagar esse baita mico. E que diacho de coisa é esse tal de “wake sei lá o quê?!” Sentiu-se perdido em meio a solitárias e silenciosas indagações. Lançou um olhar súplice ao redor. Percebeu logo que ninguém ali estava a fim de compartilhar suas aflições. A mesa da sessão começava a ser composta. O público numeroso cuidava, em ruidosa movimentação, de se apoderar dos assentos não ocupados no auditório. Suas ruminações mentais não calavam. Tentava, embalde, consolar-se com a idéia de que, diante da inevitabilidade da incômoda situação, o melhor a fazer era relaxar. Classificava, tardiamente, de supina besteira a concordância dada, dias antes, para a inclusão de seu nome, como orador, na chapa da Associação. O hino de abertura da sessão acabara de ser entoado. A hora do pronunciamento se acercava e ele ainda sem saber como se arranjar na fala pros gringos. Pior, consciente da condição de analfabeto de pai e mãe com relação ao tal esporte de nome complicado. Que tal se invocasse ajuda da Medalha Milagrosa? Descartou a opção por lhe parecer oportunista, consideradas as circunstâncias de nunca lhe haver passado pela cachola a intenção de integrar o grupo de devotos fervorosos da santa. Na busca de auxílio providencial, agarrou-se à idéia de invocar São Judas Tadeu. Adepto do santo não podia, em boa e leal verdade, dizer que era. Mas, de qualquer maneira, pesava a favor o fato de haver acompanhado a patroa em celebrações no santuário erigido em louvor de São Judas pela veneração popular. Mesmo após a invocação sentiu a estrutura óssea balançar, no momento crucial da chamada à tribuna. O coração saltitante, esmerou-se em pronunciar pausadamente as palavras. Rodeou toco o quanto pôde, com filigranas retóricas. Não se atreveu, estrategicamente, uma vez sequer, a citar a modalidade esportiva em foco. Com algum domínio da situação, deixou-se arrastar pela empolgação. Proclamou então que os homenageados, educadores de escol e coisa e loisa, cumpriam exemplarmente histórica missão, aplicando os recursos de um esporte tão apaixonante e valoroso no burilamento da têmpera e caráter dos jovens. Lastimou que tão enriquecedora prática não recebesse entre nós o incentivo devido. Arrancou, para surpresa, uma ovação. Os desportistas campeões abraçaram-no efusivamente, impressionados com tão incisivo apoio á sua causa esportiva.

Um grupo de estudantes, seu filho entre eles, trouxe-lhe, na hora dos cumprimentos, inusitada proposta. Já que se confessara simpático à prática do “wakeboarding”, a moçada resolvera elegê-lo, ali mesmo, patrono do nascente time do educandário. Tocava-lhe, à vista disso, a suprema honra de abrir, com substanciosa doação, o livro de ouro instituído para a aquisição do material de treinamento. Meteu o chamegão no livro, sem tugir nem mugir, o sorriso amarelo, com a cara de quem estivesse conquistando o troféu de “cavalgadura do ano”.

Ainda por se refazer das imprevisíveis emoções do dia, sentiu a língua coçar de tanta vontade de perguntar ao filho, na volta pra casa, o que vinha a ser mesmo esse tal de “wake... sei lá bem o quê...”. Faltou coragem...

* Jornalista (cantonius@click21.com.br)



sexta-feira, 8 de julho de 2011

A espantosa tragédia de Madre Maurina


Cesar Vanucci *

“Você sabe que praticamos torturas. Mas para você
não é difícil de suportar, porque a vida de freira já é uma tortura.”
(Frase ouvida por Madre Maurina durante um de seus “interrogatórios”)

Deu-se em junho de 1956. O “Correio Católico”, diário vinculado a Arquidiocese de Uberaba, com 12 mil assinantes – o que lhe assegurava, certeiramente, a condição de um dos jornais mineiros com maior poder de influência junto ao público leitor –, divulgou reportagem a respeito de uma família de Perdizes, município do Triângulo Mineiro, que se notabilizava pela especial circunstância de abrigar em seu seio quatro irmãos (dois homens e duas mulheres) que haviam optado pela vida religiosa.

Um deles, Manoel, frade dominicano, veio a assumir o cargo de Superior na congregação. Outro, Vicente, integrante do clero regular, exerceu funções paroquiais na Província Eclesiástica de Uberaba. As duas mulheres ingressaram na ordem franciscana, consagrando-se a meritórios trabalhos com menores desamparados. Foi nessa ocasião que fiquei conhecendo pelo nome, editor-chefe que era do jornal, Madre Maurina Borges da Silveira. Seus pais, Antônio Borges da Silveira e Francelina Teodoro Borges, pequenos sitiantes, pessoas simples, rodeadas de estima e apreço no lugarejo em que viviam, criaram condições perfeitas para que a vocação religiosa dos filhos pudesse florescer. Nutriam com relação ao fato justificável sentimento de orgulho. A família era tida por todos, lembro-me bem, como um edificante modelo de virtudes no meio comunitário.

Em 1970, 14 anos passados, ouvi pela segunda vez, de forma inesperada e num relato extremamente chocante, menção ao nome de Maurina Borges da Silveira. Conto como foi. Visitava, naquela manhã de sábado, como fazia todas as vezes em que ia a Uberaba, o Arcebispo Dom Alexandre Gonçalves Amaral. Apoderado de santa indignação, o ilustre e saudoso Prelado, uma das inteligências mais fulgurantes do Episcopado, articulando-se com outros membros da Igreja na busca de uma solução para o caso, colocou-me a par dos hediondos pormenores de uma violência inimaginável, cometida por agentes do governo contra a referida religiosa, à época diretora de uma instituição assistencial em Ribeirão Preto, o “Lar Santana”. Contando então com 43 anos, a freira franciscana foi arbitrariamente detida por truculentos membros da tristemente célebre “Operação Bandeirante”, sob a falsa acusação de apoiar um grupo armado hostil à ditadura militar. O orfanato de Madre Maurina cedia na ocasião, uma sala, para reuniões periódicas, a estudantes ligados a Ação Católica. Alguns ou todos eles, não se sabe bem, opunham-se ao regime vigente, mantendo segundo a polícia, ligações com movimentos da chamada guerrilha urbana.

Madre Maurina, pessoa inteiramente consagrada ao mister religioso, nada sabia a respeito das ações políticas desenvolvidas pelos rapazes. Mas por conta da cessão da sala, por sinal cedida aos jovens antes mesmo de sua chegada à direção do orfanato, acabou sendo lançada, de hora para outra, no torvelinho avassalador de uma tragédia com características, pode-se dizer, kafkianas. Foi detida, barbaramente espancada, torturada, seviciada, alvo de toda sorte de humilhações. Seus algozes forçaram-na, na base da pancada, do pau de arara e do choque elétrico, a assinar declarações em que se confessava amante de militantes políticos apontados, como era de hábito na época, como subversivos. De nada valeram as ponderações feitas em seu favor por religiosos e superiores eclesiásticos, as manifestações solidárias das pessoas que acompanhavam de perto, com admiração, a rotina de seu extraordinário trabalho apostólico, dando testemunho fidedigno de sua absorção por inteiro à bela missão assistencial a que se consagrou a partir do momento da opção pelos votos religiosos. Colocaram-na incomunicável submetendo-a a suplícios inenarráveis.

As atrocidades tomaram tal proporção que o então Arcebispo de Ribeirão Preto, um sacerdote desassombrado, Dom Felício Vasconcelos, atordoado face o desinteresse das autoridades governamentais em investigarem as denúncias acerca das ignomínias cometidas contra a freira, diante do silêncio cúmplice e acovardado da grande mídia e do amordaçamento imposto aos demais veículos de comunicação, tomou a arriscada decisão de ocupar os púlpitos de Ribeirão Preto para condenar as felonias dos agentes policiais e militares e decretar oficialmente a excomunhão de dois dos delegados envolvidos na estarrecedora ação criminosa. Renato Ribeiro Soares e Miguel Lamano, “valentes” integrantes da equipe do “famoso” Sergio Fleury, foram os delegados atingidos pela penalidade canônica.


Um relato atordoante


“Eu tenho pena de deixar-te nua, na presença de todos.”
(Um dos torturadores de Madre Maurina)


A espantosa tragédia vivida por Madre Maurina Borges da Silveira, acusada falsamente de conluio com guerrilheiros para a derrubada da ditadura militar, é apontada por muitos historiadores como o episódio decisivo que conduziu o legendário Cardeal-Arcebispo Dom Evaristo Arns a desfraldar a bandeira da luta sustentada, anos a fio, contra as atrocidades praticadas nos “anos de chumbo”.

Mantida incomunicável por largo período, a inocente criatura, uma vida inteira de devoção religiosa arraigada, foi vítima de toda sorte de sevicias no curso de intermináveis “interrogatórios”. Seu drama comoveu os membros do Episcopado, inspirando Dom Arns, apoiado por líderes de outras correntes religiosas, o Pastor protestante James Wright entre eles, utilizando os escassos recursos de expressão disponíveis naquele período trevoso, de restrições severas às liberdades e de total desprezo aos direitos fundamentais, a bater de frente com os responsáveis pelas barbaridades cometidas nos porões do regime. A essa época começou a tomar forma o histórico documento intitulado “Tortura, nunca mais”, que cataloga parte dos tenebrosos atentados daqueles tempos contra a dignidade humana.

O que se vai ler na sequência são trechos de carta, de 17 de dezembro de 1969, que Madre Maurina, conforme registrou o “Jornal doBrasil”, edição de 16.11.2003, encaminhou ao então Ministro da Justiça, relatando parte do sofrimento que lhe inflingiram.
“Invocando a Deus como testemunha da verdade de minhas palavras venho relatar a V. Exa. as torturas a mim inflingidas por agentes da Polícia de São Paulo(...) Confesso não ser fácil, mas o farei para que V. Exa. tome providências no sentido de evitar (...) que pessoas inocentes sofram injustamente. Fui conduzida ao Quartel Militar de Ribeirão Preto, às 14h do dia 25 de outubro (...).Comecei logo a falar sobre o que sabia do movimento de juventude existente em minha casa, pois ignorava o tão falado terrorismo. Foi através dos elementos que me interrogavam que aprendi o que era terrorismo. (...) Interrompiam-me a cada instante, com gritarias e ameaças, usando uma terminologia, a qual sinto-me envergonhada de repeti-la. "Você sabe que usamos de torturas, mas para você não é difícil suportar, porque a vida das freiras já é uma tortura". “É tão cínica, como pode se fazer de tão inocente, sua freira do diabo.” “Você não é filha de Deus. Fica sabendo que teremos o prazer de prender bispos e padres” (...).”Você não é mais virgem. Vamos fazer um exame ginecológico.” (...) Davam risadas sarcásticas. (...) Silenciei, escutando tudo aquilo, sem compreender o seu significado. (...) Dr. Fleury perguntou-me: ''Você é amante do Mário Lorenzato? Responda afirmativo, é o suficiente, estará resolvido. Vai me dizer que é diferente dos outros!'' Jamais poderia afirmar uma tal mentira. (...) Foi então que ligaram a máquina de choques e se divertiram às minhas custas. (...) Apareceu na sala, um sargento dando ordens para que todos se retirassem, dizendo: ''Sou eu que vou conversar com a irmã. Vou deixá-la por enquanto por conta desses dois rapazes.'' (...) Fui conduzida para a cela, juntamente com duas moças. (...). Não as conhecia. Foi neste grupo que me incluíram como se eu fosse terrorista. (...) Como religiosa, acostumada a uma vida organizada, em ambiente de respeito, muito me custou suportar (...) de um lado os soldados repetindo (...) insultos de baixo calão (...) e, de outro, os ruídos da famosa sala de interrogatórios, de onde, continuamente, ouviam-se os gritos lancinantes dos torturados e os barulhos dos espancamentos. (...) Fui levada à presença de uma pessoa loura, de olhos azuis, estatura média (...), disseram que era um sargento. (...) Eles se chamavam de "doutores", vestiam-se à paisana e usavam apelidos, suponho que para fugirem à identificação (...) Achei que estivesse meio bêbado, sentia-se o repugnante cheiro de álcool. Senti pavor de ficar em sua presença, mas, tive de ficar, ali, fechada naquela sala, (...) atormentada por suas provocações. Entre outras coisas, dizia: ''Irmã querida, posso te chamar de irmã, não é? Eu te quero muito. Vem pertinho de mim. Pelo amor de Deus, fala tudo. Eu quero te dar uma colher de chá, ou melhor, dá-me uma colher de chá. Eu tenho pena de deixar-te nua na presença de todos. É chato para mim. Vamos, me dá uma colher de chá... Pensa que eu estou há dias longe da minha mulher!'' (...) Abraçava-me, tentava esfregar suas mãos nas minhas e procurava tocar os meus joelhos. Eu sentia uma repugnância terrível e não via a hora de livrar-me daquele homem. Insistia para que eu me confessasse conhecedora do movimento (...) Sempre com as mesmas atitudes (...) e com carícias dissimuladas, sentou-se displicentemente sobre a mesa, ordenando que eu me aproximasse dele. (...) Senti-me completamente atordoada, sem condições de coordenar idéias. (...) Aquele homem perguntou-me: “Você é socialista?'' O meu ideal é religioso, e, por ele hei de trabalhar até o fim da minha vida. Ninguém poderá modificá-lo, pois minha promessa foi feita a Deus e não aos homens. (...) Na cadeia de Cravinhos permaneci 25 dias incomunicável. Apesar da insistência de meus irmãos (...) para obterem notícias minhas, não permitiram que nos comunicássemos. Nem tampouco foi permitido a minha superiora provincial falar comigo. (...) Tive a impressão de estar abandonada por todos. (...) Outro tormento foi a falta de assistência religiosa.(...) Solicitei a presença de um sacerdote para levar-me o sacramento da Eucaristia. Não o permitiram, dizendo: Também isso faz parte do castigo!'' (...) No dia 18 de novembro, depois de muita insistência, permitiram que, por 10 minutos, (...) eu pudesse falar com o meu irmão. Dias depois pude ver a Madre Provincial, (...) também sob a vigilância de policiais. (...) Interrogada pelo Dr. Lamano, um dos delegados regionais, este tratou-me grosseiramente, dando-me pancadas no rosto, querendo forçar-me a dizer o que eu não havia feito. Não me foi possível esclarecer nada: tudo era feito na base da gritaria e pancada(...). A certa altura, o delegado gritou: ''Veja se você não vai esquecer do seu Deus! Agora vai apanhar juntamente com o rapaz seu protegido!'' Trazendo o rapaz à minha presença, o delegado intercalava, às perguntas, pancadas no moço e em mim. (...) Aqui tem, Exa, um relatório que lhe apresento, como desencargo de consciência, pois espero com ele estar contribuindo para que outros não venham a sofrer os vexames e maus tratos a mim dispensados. Como brasileira e cristã que sou, gostaria imensamente que fossem usados métodos eficientes na aplicação da justiça, inspirada (...) no respeito à dignidade da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus.”

Dom Arns confirma as sevicias


“Atormenta-me (...) a perspectiva de não poder
prosseguir na vida de apostolado que escolhi em meu país.”
(Carta de Madre Maurina do exílio,  no México)

A carta dirigida por Madre Maurina ao ex-Ministro da Justiça Alfredo Buzaid, dando conta das violências a que se achava exposta no cárcere, acusada injustamente de participação em ações contrárias ao regime militar, não mereceu qualquer atenção digna de nota da parte do governo. Seu apelo angustiado esbarrou em glacial e cruel indiferença.

Dom Paulo Evaristo Arns, falando ao “Jornal do Brasil” em 16.11.2003, confirmou as sevicias inflingidas à religiosa durante o período em que permaneceu detida. Disse, a propósito: “Não negarei as evidências das sevicias sexuais, pois isso ficou demonstrado no depoimento dela e de outras presas que estavam com ela em Ribeirão Preto e também passaram por esses horrores.”

No mesmo depoimento, o Cardeal desmentiu enfaticamente um boato maldoso posto a circular, ao que tudo faz crer, pelos próprios agentes policiais e militares que a mantinham encarcerada, a respeito de que a freira estaria grávida em consequência de seu “relacionamento promíscuo” com “companheiros de militância política”. A sórdida maquinação ia mais longe: por causa da “inconveniente gravidez”, Madre Maurina havia decidido fazer “aborto”. À vista de tudo, a Igreja “teria intercedido’, junto ao governo, para que a religiosa figurasse numa lista de presos políticos encaminhados a exílio no México em troca da libertação de um cônsul japonês sequestrado pela guerrilha urbana.

O combativo Dom Evaristo expressou-se, anos depois, a respeito, desfazendo toda a rede de intrigas, de forma bastante categórica: - “Está na hora de acabar com as mentiras e os boatos que rondam esse episódio. Penso que a inclusão do nome de Madre Maurina na lista de presos trocados pelo cônsul japonês se deve aos próprios militares. Eles queriam, naquele momento, demonstrar para a opinião pública o quanto a Igreja estava comprometida com a causa. Essa foi a forma de desmoralizar os religiosos, exibindo-os como terroristas, numa espécie de vingança. Ela era mulher e freira. Isso chamava a atenção mais que tudo. Era como estarem dizendo: “Olha, precisamos agir, pois até as freiras já estão metidas nisso.”

Madre Maurina ficou ainda mais arrasada psicológica e fisicamente - se isso fosse ainda possível de ser concebido face ao martírio imposto pelas arbitrariedades de que foi vítima - com o exílio forçado. Assinou declaração, reafirmando sua inocência “diante de Deus” com relação às acusações que lhe foram imputadas, dizendo não conhecer nenhum dos integrantes da lista dos prisioneiros trocados pelo cônsul geral do Japão, nem tampouco nenhuma das organizações “subversivas ou comunistas, ou o que quer que seja”, envolvidas nos acontecimentos daquela hora. Explicitou com clareza sua disposição pessoal em não sair do Brasil para qualquer outro país e, aqui, poder provar, perante a Justiça, a verdade dos fatos.

Já no exílio no México, dirigiu apelos dramáticos ao governo militar para que lhe permitisse o retorno, “a fim de ser normalmente processada e julgada (...) e demonstrar a minha inocência.” Palavras textuais de uma das cartas que enviou às autoridades, divulgada também no JB: “Não me atormenta a perspectiva de vir a ser, eventualmente, recolhida à prisão onde me encontrava. Atormenta-me, isto sim, a perspectiva de não poder prosseguir na vida de apostolado que escolhi em meu país, de não poder abraçar e beijar as minhas irmãs de vocação e a minha família, de não poder rezar ajoelhada sobre a terra que me viu nascer, onde caminhei pela primeira vez e que, abrigará, confio em Deus, meu corpo, quando então prestarei contas de minha vida ao Senhor Nosso Pai.”


O exílio e o retorno


“Sua fé foi sempre muito grande.”
(Frei Manoel, dominicano, irmão da Madre)

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Do México, recolhida ao Convento das Irmãs de São José de Lyon, onde permaneceu em exílio forçado até a anistia em 1979, Madre Maurina Borges da Silveira encaminhou inúmeras correspondências às autoridades brasileiras, pedindo permissão para regressar a terra natal. Existem indícios de que, em alguns setores do governo, houve quem se desse conta, em dado instante, da necessidade de se proceder a um reexame do doloroso caso da freira impiedosamente alvejada pela boçalidade e paranóia dos agentes da lei.


Em julho de 1971, a 2ª Auditoria da 2ª Comissão da Justiça Militar aconselhou o retorno da Madre. Esse posicionamento, unânime e inédito, foi tomado num período ainda de violenta repressão. Pode ser interpretado como indicativo de que algumas pessoas no mundo oficial mostravam-se preocupadas, de certa maneira, com o tamanho do abacaxi que teria de ser, mais adiante, forçosamente descascado na tentativa de se oferecer uma explicação para as ignomínias praticadas contra Maurina. A sentença em questão, segundo revelado pelo antigo “Jornal do Brasil”, levou em consideração que “provas colhidas em Juízo” autorizavam “a presunção de que Maurina foi incluída na lista de presos a serem trocados pelo cônsul do Japão, por insidiosa manobra de guerra psicológica, por parte dos militantes da subversão.” Na mesma decisão, fazia-se a ressalva de que a religiosa “suplicou, até o último momento”, antes do embarque rumo ao México, para que a deixassem ficar no país. De algum modo, o Ministro Alfredo Buzaid sensibilizou-se com o argumento. Chegou mesmo a elaborar exposição de motivos ao então Presidente Médici com minuta de decreto até assinada revogando o banimento da freira. O expediente ficou paralisado até junho de 76, alcançando, já aí, o governo Geisel. O sucessor de Buzaid na pasta da Justiça, Armando Falcão, deu andamento ao processo retido emitindo parecer conclusivo nos seguintes termos: “Minha opinião é contrária à concessão da permissão da vinda da interessada, por inoportuna e inconveniente. Vossa Excelência, entretanto, no seu alto critério, se dignará de decidir como mais acertado lhe parecer.” Conforme ainda o JB, Geisel decidiu. Fechou com Armando Falcão.

Madre Maurina continuou, à vista disso, a amargar o indesejado exílio. Nessa tormentosa fase, seu pai, Antônio Borges da Silveira, veio a falecer. Negaram-lhe também o direito de comparecer ao sepultamento.

De volta ao Brasil, beneficiada pela anistia, a religiosa retomou suas atividades na congregação franciscana, com o mesmo inquebrantável espírito de fé que marcou toda sua trajetória de vida, dedicando-se ao trabalho apostólico de sempre.

Há pouco mais de dois meses, no dia 5 de março, aos 87 anos de idade, cercada do carinho das colegas de hábito, em Araraquara, Estado de São Paulo, Maurina deixou este mundo. Embora as vicissitudes enfrentadas, registradas parcialmente nesta sequência de artigos, a morte desta freira valorosa, mineira de Perdizes, condenada ao martírio num momento trevoso da história brasileira, passou inexplicavelmente desapercebida aos olhares da mídia e dos próprios órgãos de defesa dos direitos humanos.

Tanto quanto pude constatar, o reverente pronunciamento do Deputado Adelmo Carneiro Leão, sobre sua vida e obra, na tribuna da Assembléia Legislativa, estranhavelmente sem repercussão midiática, foi o único registro significativo feito em Minas Gerais a respeito do caso. Na internet, colhi também alguns dados que serviram de fonte para a elaboração destes artigos. No mais, o que prevaleceu foi um inexplicável e sepulcral silêncio. Não sei dizer, mas ponho-me a fazer elucubrações a propósito, se essa ausência de registro, pelo menos por parte das organizações de direitos humanos, tenha decorrido de o fato da religiosa não haver, ao contrário do que a acusavam seus algozes, se inclinado por qualquer tipo de militância política. Circunstância, cá pra nós, que não deveria ser de molde também a justificar a falta de divulgação.

Frade Manoel, dominicano, pouco antes da partida de Maurina, não escondendo imensa ternura e orgulho em relação à irmã, comentou o sofrimento inaudito que seu martírio impôs à família. Contou, ainda, que numa das sessões de tortura a que foi a freira submetida, ela clamou por Deus, dizendo aos torturadores que Ele estava ali presente. Deu pra perceber que alguns deles sentiram-se, momentaneamente, abalados com aquela invocação, dando sinais de medo.

Apesar dos suplícios porque passou, Maurina perdoou-os a todos. “Sua fé foi sempre muito grande”, é o sacerdote ainda que afirma, acrescentando que duas moças, torturadas juntamente com Maurina, vieram a se converter ao catolicismo inspiradas nos exemplos de fervor transmitidos pela religiosa no período de reclusão.

Hipocrisia e dedodurismo


“... pelo menos 15 crianças eram filhas de mães solteiras e ricas.”
(Revelação de Madre Maurina a um jornalista)

Reservei para os leitores, no fecho do relato acerca do martírio imposto a Madre Maurina Borges da Silveira por bestiais agentes da lei no período da ditadura, uma revelação intrigante. Tem-se aí configurado um retrato impecável da hipocrisia e farisaísmo imperantes em certos ambientes mundanos. Ambientes esses sempre propícios, em momentos de terror político, às práticas do dedodurismo encapuzado e do denuncismo irresponsável.. A própria freira contou a história ao jornalista Luiz Eblak, num papo de várias horas.

Tomei conhecimento da entrevista consultando a “Wikipedia”, logo após ser informado da noticia do falecimento da religiosa. Falecimento cercado de injustificável silêncio midiático, como já anotei, ocorrido em 5 de março deste ano.
O repórter pergunta a Madre Maurina: - “De onde acha que vieram tantos boatos sobre a senhora, como os episódios de seu envolvimento com guerrilheiros e a violência sexual?” A resposta da freira surpreende, deixando subtendidos os malefícios irreparáveis à dignidade humana que, em momentos de desmandos autoritários, a má fé, a intolerância, a inveja são capazes de engendrar.
“Tem uma coisa – registra a religiosa – que eu nunca disse a ninguém. É sobre os ricos de Ribeirão Preto. No “Lar Santana”, orfanato que eu dirigia, tinha muita criança filha de mãe solteira e rica, o que era escândalo social para a época (1969). Então, as crianças ficavam lá, mas o lugar era para os pobres. Eram cerca de cem crianças e pelo menos 15 eram filhas de mães solteiras e ricas. Elas estavam tomando o lugar de outras, pobres, que precisavam de fato ficar no Orfanato “Lar Santana”. As famílias davam cheques para nós e tudo o mais, mas o correto era que as crianças vivessem em suas casas. O que eu fiz? Devolvi as 15 crianças. Fui à casa de cada uma delas e as devolvi. E eram mansões, casas enormes. Eu disse para as famílias: “O Orfanato é lugar de criança necessitada que precisa de um recanto para viver, que não tem pai nem mãe.” Acho que isso acabou influenciando de algum jeito o que me ocorreu depois. Não sei quem eram as famílias, mas isso deve ter tido ligação com a minha prisão.”

A uma outra pergunta do repórter sobre se a freira sabia das atividades políticas, consideradas subversivas pelas autoridades, que os integrantes do Movimento Estudantil Jovem desenvolviam na sala em que se reuniam no Orfanato sob sua direção, Maurina responde: - “Não sabia. Não sabia de nada. Só sabia do “Movimento de Estudantes Jovens”, mas nada mais. Nem desconfiava. Um dia, o pessoal do MEJ me pediu para fazer uma palavra sobre o amor. Então, nem dá pra imaginar que gente de um grupo guerrilheiro se interesse por palestra de uma freira sobre amor.”

A “Editora Vozes” lançou, há alguns anos, um livro, da jornalista Matilde Lemos, intitulado “Sombras da Repressão – O Outono de Maurina Borges”. A história da Madre é focalizada com base em entrevistas feitas pela autora. Um outro autor, Jacob Gorender, também fala do caso Maurina em seu livro “Combate nas Trevas”.

Quem sabe se, mais adiante, alguém não se animará a produzir documentário para cinema ou televisão a respeito da tragédia de Maurina. Até mesmo como uma forma de expressar a repulsa da esmagadora maioria dos cidadãos que acreditam e confiam nos valores da democracia e no respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana e que abominam toda forma de totalitarismo e de rejeição, sustentada pelo arbítrio, a esses valores e direitos.

* Jornalista (cantonius@click21.com.br)

sexta-feira, 1 de julho de 2011

As tiradas de Woody Allen


Cesar Vanucci *

“O homem explora o homem
 e por vezes é o contrário.”
(Woody Allen)

Numa passagem do filme “Hannah e suas irmãs”, o personagem vivido por Woody Allen acompanha a mais jovem das irmãs a uma casa de espetáculos musicais onde se apresenta um grupo de roque na linha bate-estaca. A moça, sintonizadissima nas vestes, gestos e no falar com o clima reinante no lugar, delira com a barulhenta atração. Mas o acompanhante, assustadíssimo, pondo tom súplice na voz, manifesta o desejo de sair logo dali. Antes que o show termine. “Tenho medo de que eles resolvam, no final dessa bateção, me sequestrar.”

O humor de Woody Allen é sempre assim. Cortante, inesperado, esgarçante, revirando pelo avesso situações desconcertantes, condescendentemente absorvidas na infinita comédia humana. Aos 75 anos, em plena efervescência criativa, apontado por muitos como a voz mais representativa da chamada autoparódia, com mais de 50 títulos no currículo vitorioso de cineasta, Woody Allen é um critico mordaz do comportamento acomodado do ser humano.

“A condição humana é trágica demais para o meu gosto”, costuma dizer, acrescentando que o certo seria o homem nascer “já sabendo o motivo.” Acredita no poder mágico da palavra, anotando que “a magia me ajuda a não cair em depressão.” Os filmes que assina são, praticamente todos, do melhor nível. O que explica a profusão de prêmios por ele obtidos em festivais cinematográficos.

Seus ditos, em entrevistas e diálogos escritos para o cinema, são antológicos. Como pode ser constatado da leitura da coletânea abaixo.

– Descrevendo-se como intelectual e artista: “As pessoas sempre se enganam em duas coisas sobre mim: pensam que sou intelectual – porque uso óculos – e que sou artista – porque meus filmes sempre perdem dinheiro.”

– Sobre o que considera diversão: “Gosto mesmo é de dias cinzentos. Diversão para mim é assistir a um jogo pela televisão tomando cerveja.”

– A respeito da morte: “A morte é como o som de um trovão distante num dia de piquenique.”

– Gente boa e gente nem tanto: “As pessoas boas dormem muito melhor à noite do que as pessoas más. Claro, durante o dia as pessoas más se divertem muito mais.”

– Sobre Deus: “Se Deus existe, por que Ele não me dá um sinal de Sua existência. Como, por exemplo, manda abrir uma bela conta em meu nome num banco suíço?”

– Sobre a natureza humana: “O homem explora o homem e por vezes é o contrário.”

– Sobre a longevidade: “Você pode viver até os cem anos se abandonar todas as coisas que fazem com que você queira viver até os cem anos.”

– Sobre a liberdade: “A liberdade é o oxigênio da alma.”

– Riso de Deus: “Quer fazer Deus rir? Então, conte a Ele seus planos.”

– A única resposta: “Talvez os poetas estejam certos. Talvez o amor seja a única resposta.”

– Imortalidade: “Não quero atingir a imortalidade com meu trabalho, mas sim não morrendo.”

– Medo de morrer: “Não é que eu tenha medo de morrer. É que eu não quero estar lá na hora em que isso acontecer.”

–Sobre a morte ainda: “Morrer é como dormir, mas sem levantar-se pra fazer xixi.”

– Erro médico: “Quando um médico erra o melhor é colocar terra por cima.”

– Música japonesa: “A música japonesa é uma tortura chinesa.”

– Casamento: “Alguns casamentos acabam bem. Outros duram a vida inteira.”

– Sobre fidelidade: “Hoje em dia a fidelidade só se vê em equipamentos de som.”

– Encruzilhada da vida: “Mais do que em qualquer época, a humanidade está numa encruzilhada. Um caminho leva ao desespero absoluto. O outro, à total extinção. Vamos rezar para que tenhamos a sabedoria de saber escolher.”

– Sobre o eco: “O eco sempre tem a última palavra.”

* Jornalista (cantonius@click21.com.br)

A SAGA LANDELL MOURA

Pacto sinistro

                                                                                              *Cesar Vanucci   “O caso Marielle abriu no...