sexta-feira, 27 de setembro de 2013



Dignidade nacional
Cesar Vanucci *

“Atentatório à soberania e aos direitos individuais.”
(Dilma Rousseff, definindo o esquema
norte-americano de espionagem cibernética)

Não deu outra. A visita oficial a Washington, quando da próxima ida da Presidenta Dilma Rousseff aos Estados Unidos para participar da abertura da assembléia geral da ONU, teve que ser adiada. Ao governo brasileiro não restou outra atitude a tomar diante das indesejáveis e embaraçosas circunstâncias criadas pela irresponsabilidade do governo norte-americano, em sua paranóica conspiração contra a dignidade das nações e das pessoas.

Já que Barack Obama e assessores, apesar das mesuras, rapapés e reiteradas “demonstrações de apreço” contidos na retórica diplomática, não conseguiram se explicar convenientemente sobre os condenáveis atos de espionagem praticados, nossa chefe de governo não teve como esquivar-se do dever de deixar para outro momento essa visita, na expectativa de que mais adiante a questão em foco possa ser resolvida “de maneira adequada”. Fê-lo em nome da dignidade nacional alvejada. Em consonância com o sentimento da opinião pública brasileira.

A arapongagem eletrônica levada a efeito por organismos de segurança estadunidenses, por todos os títulos abominável, representou fato sumamente grave. “Atentatório à soberania e aos direitos individuais e incompatível com a convivência democrática entre países amigos”, como sublinhou Dilma na nota que justifica a decisão.

Não deixa de ser oportuno reavivar os acontecimentos. No início do mês em curso, a TV Globo, em reportagem difundida no “Fantástico”, revelou, para perplexidade e indignação gerais, que a Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA) havia monitorado e, provavelmente, continuava monitorando, o conteúdo de telefonemas, mensagens pela internet e por celular da Presidenta Rousseff e de “assessores chaves” do governo brasileiro. Além de Dilma, também vinham sendo espionados outros governantes de países considerados “amigos” pela Casa Branca. Caso do presidente Enrique Peña Nieto, do México.

A reportagem, riquíssima em pormenores, foi realizada com base numa apresentação em caráter confidencial realizada dentro da própria NSA. Trata-se de um dos milhares de documentos repassados pelo técnico em cibernética Edward Snowden, um americano que se desencantou com os procedimentos iníquos adotados pelas agências de segurança de seu país e que resolveu botar a boca no trombone para contar ao mundo as violações praticadas contra os direitos fundamentais.

A escabrosa história foi acrescida, dias depois, de outro estarrecedor relato. O mesmo esquema de espionagem assestou as baterias nos computadores da Petrobras, com vistas, ta na cara, de recolher dados sigilosos acerca do pré-sal, de modo a privilegiar empresas norte-americanas interessadas em concorrer ao leilão de exploração das gigantescas jazidas de petróleo do fundo do mar.

As provas exibidas acerca dessas operações clandestinas de nossos “mui leais amigos” estadunidenses vão levar Dilma a abordar na ONU o tema da espionagem. Ela irá pedir providências por parte da comunidade internacional, no discurso que fará, como convidada especial, na sessão de abertura da assembléia geral, em Nova Iorque, no próximo dia 23 de outubro. É certo que ela irá postular também uma regulamentação criteriosa do hoje despoliciado processo de comunicação cibernética.

A atitude da governante brasileira foi recebida com simpatia e firme disposição solidária por parte das lideranças de diferentes setores e da opinião pública. Isso, todavia, não impediu, pra pasmo geral, que algumas poucas vozes dissonantes se erguessem, deixando à vista com a posição assumida a condição de haverem se intoxicado de passionalismo político e se despojado de senso crítico e de noções básicas de civismo.


 Não se trata de tragédia grega

“A lei é a razão isenta de paixão.”
(Aristóteles)

Como vinha sendo preconizado de há muito por renomados juristas, o Supremo Tribunal Federal acabou acatando os embargos infringentes no processo conhecido por mensalão.

Ao proferir o voto decisivo concernente à momentosa questão, o Ministro Celso de Mello, decano da corte, sustentou que “o Regimento tem valor de lei”. Argumentou ainda que, do ponto de vista do Poder Judiciário, invocar o clamor público como justificativa para eventuais prisões preventivas é uma situação considerada abusiva e ilegal. O que mais importa no julgamento dos embargos – acrescentou – é a preservação do compromisso com o respeito às diretrizes do processo penal.” Em assim sendo, “o direito há que ser compreendido na sua dimensão racional”, como instrumento de salvaguarda jurídica, não como instrumento de arbítrio.

A decisão tomada pelo Supremo não constitui nenhuma tragédia grega, ao contrário do que, espalhafatosamente, algumas pessoas com acesso à mídia, por desconhecimento de causa ou passionalidade política, insistem em alardear. Os embargos fazem parte da ritualística processual. Seu acatamento, ocorrido em meio a incandescentes discussões, onde os Ministros deram prova robusta de invulgar saber jurídico, com magistrais intervenções, não implica em absolvição tácita para ninguém. Não impede jeito maneira que as condenações a que fazem jus os réus venham a ser aplicadas. Não abre coisissima alguma chance para a impunidade, para que autores dos delitos deixem de ser punidos, nos termos corretos da lei, pelas malfeitorias cometidas. Apenas espicha, na forma facultada pelas leis vigentes, o prazo do julgamento.

A morosidade da Justiça, que tanto apoquenta a sociedade brasileira, não decorre da circunstância de se acatar ou não recursos apresentados pela defesa dos réus, neste como em qualquer outro feito jurídico. Ela está presente com indesejável constância na tramitação de processos em todas as esferas de apreciação das demandas submetidas à apreciação da magistratura. Todo mundo que acompanha as lides forenses tem casos a relatar a respeito desse mal crônico da atividade judicial.

O mensalão demorou muito para ser lançado na pauta de julgamento. E quando isso aconteceu não foram poucos os alertas ouvidos a respeito de prováveis equívocos que poderiam vir a ser perpetrados na condução do processo. Um desses equívocos poderia derivar da circunstância de ter sido estabelecido para réus primários, sem direito ao chamado foro especial, um esquema de julgamento numa única instância, o que entraria em desacordo com as normas do direito processual. “Isso vai acabar dando chabu mais na frente”, asseguraram vozes respeitáveis das letras jurídicas. Figuras de projeção no ramo do Direito lembraram até mesmo a contradição surgida em consequência da forma de abordagem dos crimes do mensalão em suas duas condenáveis versões. O lance delituoso ocorrido em Minas, anterior ao de Brasília – mesmo que agora se diga, como fizeram ainda outro dia Ministros do STF e representante da Procuradoria Geral da República, que será apreciado em breve nos mesmos moldes do caso congênere em foco – recebeu tratamento totalmente diferenciado. Está ainda sendo analisado, num ritmo bastante lento, como é da praxe. Em instância primária. O operador central do esquema denunciado é o mesmo. Os métodos de apropriação indébita de que se valeram os autores dos delitos são os mesmos. O enredo, em suma, é o mesmo. O que muda são os atores. Essas circunstâncias podem desaguar num desfecho conflitante inesperado. O operador do esquema do mensalão federal já foi condenado em única instância nesse rumoroso processo. Já no outro processo, de feição idêntica, poderia vir a ser contemplado com a possibilidade de um julgamento desdobrado provavelmente em três instâncias. Ou seja, com uma sequência dupla de chances para interpor recursos.

Muita gente que recebeu com desafogo e aplausos a louvável disposição do Poder Judiciário em combater de forma tenaz a corrupção e enquadrar nos ditames das leis indivíduos responsáveis por estes crimes do “colarinho branco” acredita ainda que alguns equívocos e atos falhos produzidos recentemente no plano processual, em condições de embaralharem a questão, têm a ver com certas reações humanas de inebriamento diante dos holofotes midiáticos.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

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Não precisa explicar...

Cesar Vanucci *

“Não precisa explicar. Eu só queria entender...”
(Bordão célebre de antigo programa humorístico da tevê)

O macaco falante do “Planeta dos Homens”, campeão de audiência na Globo dos anos 80, empregava em suas falas um bordão que ficou famoso e foi absorvido com facilidade por um bom tempo no linguajar das ruas: “Não precisa explicar, eu só queria entender...”

Consideramos oportuno reapropriá-lo para comentários a respeito de muita coisa intrigante que vem rolando no pedaço.

O magnânimo Tio Sam, empenhado mais do que nunca no incremento de sua alardeada política de “boa vizinhança” com as nações amigas, botou pra funcionar a pleno vapor no Brasil a gigantesca máquina de arapongagem eletrônica instituída pelo “Projeto Echelon”. Implantou escutas clandestinas nos órgãos do governo. Invadiu, com o fito de captar informações comerciais estratégicas, os computadores da Petrobras. Violentou a intimidade da Presidenta Dilma nos contatos com assessores por meios eletrônicos. Apoderou-se de dados e informações valiosos, de interesse nacional, transmitidos pela internet e sistema de telefonia. Pilhado em flagrante delito pelas convincentes denúncias de um antigo prestador de serviços desse audacioso esquema de bisbilhotagem, levantou a indignação das autoridades e da opinião pública brasileira, sendo chamado às falas para esclarecer direitinho as coisas. Dispôs-se, com envergonhada relutância, atender ao que foi reclamado. Num encontro reservado que teve com Dilma no malogrado encontro de São Petersburgo, Barack Obama declarou-se pronto para reparar o clamoroso ato falho cometido pela Casa Branca. Reportou-se, com constrangedora insinceridade ao elevado nível das relações de amizade e confiança que afiança nutrir com relação ao Brasil etecetera e tal. O chanceler Luiz Alberto Figueiredo deslocou-se até Washington para ouvir as explicações prometidas.

Diplomatas estadunidenses passaram ao seu jeito as informações sobre a candente questão. Utilizaram a “tática Cantinflas” de bate-papo. Cantinflas, para quem não se lembra, foi personagem aclamado nos áureos tempos da comédia cinematográfica. Protagonizado pelo ator mexicano Mário Moreno, quando se via surpreendido em situações comprometedoras, escorregava que nem quiabo ou bagre ensaboado nas arguições que se lhe eram feitas pelos malfeitos engraçados. Falava um mundão de coisas sem dizer coisa alguma. Exatamente como agora vem sendo feito pelos porta-vozes americanos.

Dos fatos assim narrados desponta uma perguntinha inocente: num pedido de desculpas pela besteira praticada por alguém molestando conhecidos ou amigos (vá lá), não seria mais correto o autor procurar a vítima na residência desta, apresentando pedido formal de desculpas, e não, ao contrário, a vítima dirigir-se à casa do agressor mode que saber a razão de seu despropositado ato? Hein?

Não, não precisa explicar, o que a gente quer mesmo é entender...

O episódio a seguir tem a ver também com a orientação política dos governantes dos Estados Unidos. O Presidente Obama, que de há muito abdicou das convicções que lhe asseguraram por razoável período celebridade mundial, contrariando ponto de vista da opinião pública internacional, vem insistindo numa ação militar na sanguinolenta guerra civil síria. Uma guerra em que um governante insano e facções insurgentes terroristas disputam palmo a palmo, segundo relatórios da ONU, a “primazia” na execução de ações bélicas bárbaras. Alega o dirigente estadunidense que as quase 2 mil mortes de inocentes numa operação com armas químicas proscritas, executada por um dos lados contendores, representa uma “linha vermelha” que jamais poderia ter sido ultrapassada. O argumento usado para justificar a intervenção, em que pese todo o horror suscitado por mais esse capítulo selvagem do abominado conflito, parece ignorar um capítulo apavorante da história. É o que diz respeito ao fato de que 100 mil vidas inocentes já foram eliminadas com o emprego de outras apavorantes armas de destruição em massa, sem falar na tragédia humanitária representada pelas levas de refugiados. São circunstâncias, todas essas, que abrem margem à suposição de que a tal “linha vermelha” já teria sido, há um tempão, ultrapassada. Não é isso mesmo?

Mas não precisa explicar, o que a gente está querendo mesmo é entender...

O Papa Francisco, um clarão de esperança em meio ao espesso nevoeiro que circunda os procedimentos dos donos deste mundo do bom Deus onde o diabo costuma implantar também nocivos enclaves, andou fazendo perguntas incômodas, dia desses, numa de suas lúcidas homilias. Uma delas: essas guerras que pipocam aqui e ali não serão meros e cruéis pretextos para incrementar a produção industrial bélica? Tal pergunta continua suspensa no ar sem que as lideranças políticas e os grandes sistemas de comunicação se disponham a difundi-la. Muito menos respondê-la.

Caso, no tamanho adequado, de recorrermos novamente ao bordão: Não precisa explicar, eu só queria entender...

Por último: o jornalista José Simão, com seus divertidos comentários críticos concernentes à incomensurável comédia humana, estaria incorrendo, por acaso, nalgum exagero ao lembrar que um bombardeio em favor da paz, como consta da proposta Obama, seja algo com peso equivalente à idéia de um estupro em favor da preservação da virgindade?

Não, não precisa responder...


Regras salutares de vida

“Você é o que se fizer”
 (Gurdjieff)

Trata-se de filósofo russo bastante badalado nos círculos esotéricos. Viveu no início do século passado e traçou regras de vida citadas com freqüência em cartilhas, prédicas e livros dedicados a auto-estima e comportamento. Seu nome: Gurdjieff. O Instituto Francês de Ansiedade e Estresse encarregou-se de divulgar com destaque 20 regras básicas de vida boladas pelo pensador. Entendemos interessante e oportuna sua reprodução para conhecimento dos leitores ou, se for o caso, aplicação em seu dia-a-dia.
1. Faça pausas de dez minutos a cada duas horas de trabalho, no máximo. Repita essas pausas na vida diária e pense em você, analisando suas atitudes.
2. Aprenda a dizer não sem se sentir culpado ou achar que magoou. Querer agradar a todos é um desgaste enorme.
3. Planeje seu dia, sim, mas deixe sempre um bom espaço para o improviso, consciente de que nem tudo depende de você.
4. Concentre-se em apenas uma tarefa de cada vez. Por mais ágeis que sejam os seus quadros mentais, você se exaure.
5. Esqueça, de uma vez por todas, que você é imprescindível. No trabalho, em casa, no grupo habitual. Por mais que isso lhe desagrade, tudo anda sem a sua atuação, a não ser você mesmo.
6. Abra mão de ser o responsável pelo prazer de todos. Não é você a fonte dos desejos, o eterno mestre de cerimônias.
7. Peça ajuda sempre que necessário, tendo o bom senso de pedir às pessoas certas.
8. Diferencie problemas reais de problemas imaginários e elimine-os porque são pura perda de tempo e ocupam um espaço mental precioso para coisas mais importantes.
9. Tente descobrir o prazer de fatos cotidianos como dormir, comer e tomar banho, sem também achar que é o máximo a se conseguir na vida.
10. Evite se envolver na ansiedade e tensão alheias. Espere um pouco e depois retome o diálogo, a ação.
11. Família não é você: está junto de você, compõe o seu mundo, mas não é a sua própria identidade.
12. Entenda que princípios e convicções fechadas podem ser um grande peso, a trava do movimento e da busca.
13. É preciso ter sempre alguém em que se possa confiar e falar abertamente ao menos num raio de cem quilômetros.
14. Saiba a hora certa de sair de cena, de retirar-se do palco, de deixar a roda. Nunca perca o sentido da importância sutil de uma saída discreta.
15. Não queira saber se falaram mal de você e nem se atormente com esse lixo mental; escute o que falaram de bem, com reserva analítica, sem qualquer convencimento.
16. Competir no lazer, no trabalho, na vida a dois, é ótimo... para quem quer ficar esgotado e perder o melhor.
17. A rigidez é boa na pedra, não no homem. A ele cabe firmeza, o que é muito diferente.
18. Uma hora de intenso prazer substitui com folga três horas de sono perdido. O prazer recompõe mais que o sono. Logo, não perca uma oportunidade de divertir-se.
19. Não abandone suas três grandes e inabaláveis amigas: a intuição, a inocência e a fé.
20. Entenda de uma vez por todas, definitiva e conclusivamente: você é o que se fizer.


C O N V I T E - SEMANA MUNDIAL DO SERVIÇO LEONISTICO - 2013 

S

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Relembrando Ary Barroso

Cesar Vanucci*

“A atuação de Ary Barroso extravasou
o ponto de vista puramente criativo."
(Jose Lino Grünewald, jornalista)

A Academia Mineira de Leonismo vem promovendo mensalmente, há mais de ano, aplaudidos “Encontros Culturais”. São realizados em teatros e auditórios, reunindo sempre público numeroso. Cada evento consiste basicamente em palestra sobre tema cultural, acompanhada de espetáculo artístico.

A vida e obra de Ary Barroso foi focalizada recentemente, num dos “Encontros”, em palestra proferida pelo acadêmico Sóter Baracho do Espírito Santo, oficial graduado da Polícia Militar de Minas, intelectual de reconhecido relevo em nossa cena cultural. A exposição, interessantíssima, foi ilustrada com interpretações artísticas supimpas, como era de bom tom dizer-se em tempos de antigamente.

A promoção da Academia inspirou este escriba a reaver nos arquivos textos contando coisas do genial compositor mineiro produzidos à época da celebração de seu centenário. Vamos a eles.

Nos anos 70, em fascículos quinzenais, a “Abril Cultural” presenteou o público com uma primorosa “História da Música Popular Brasileira”. Cada fascículo, dedicado à vida e obra de um compositor consagrado, vinha acompanhado de um disco de 78 rotações, contendo melodias que deixaram marca profunda na memória das ruas. Estou relendo e ouvindo, com emoção, já que faço parte de um privilegiado grupo que se deu ao trabalho de montar pacientemente essa preciosa coleção, o que foi produzido a respeito do maior de nossos autores musicais, Ary Barroso.

Sinto-me tentado, em vista disso, a passar para os leitores alguns dos palpitantes comentários e saborosas historietas envolvendo o célebre compositor de Ubá, cidadão do mundo, gênio da raça, apresentados por renomados especialistas em música popular brasileira, recrutados para compor o Conselho Editorial da publicação. Os registros ajudam a mostrar a face humana de uma figura artística fabulosa.

Para José Lino Grünewald, “a importância da atuação de Ary Barroso extravasou o ponto de vista puramente criativo. Foi um dos maiores (se não o maior) e dos mais encarniçados batalhadores da autenticidade de nossos ritmos, principalmente num período em que a bolerização ameaçava tomar conta da praça. Fez rádio e, como poucos e raros, dando uma enorme vivacidade ao microfone. Seus programas de calouros marcaram época. Sua participação no esporte, apaixonada, instigante, sacudia os torcedores, irradiando e comentando o futebol, com ardor, com mordacidade. E quando a televisão começou a ocupar sua faixa própria, lá estava ele: música, esporte, política, humorismo”.

São os biógrafos de Ary que contam ainda: no início da década de 60, o autor de “Aquarela do Brasil” se confessava descontente e amargurado com os rumos da MPB. “Nunca o samba esteve tão por baixo. Chegamos à era do bolero, do rock, chá-chá-chá, twist e outras torceduras.” Constava que, a princípio, ele não conseguia engolir jeito maneira a chamada bossa-nova. David Nasser, jornalista e compositor, seu amigo fraternal, demoveu-o de posição tão intransigente. E ele acabou sendo surpreendido, em determinada ocasião, a aplaudir “A felicidade”, de Tom Jobim e Vinícius de Morais, apontando-a como uma das dez melhores músicas populares de todos os tempos.

Antes de contar outros casos de Ary, retirados da mesma abalizada fonte, relaciono as faixas musicais do disco: Aquarela do Brasil, na interpretação de Sílvio Caldas; Como “vaes” você, marcha carnavalesca de 1936, cantada por Carmem Miranda; Na baixa do sapateiro, com os “Anjos do Inferno”; Maria, com Sílvio Caldas; No tabuleiro da baiana, com Carmem Miranda e Luiz Peixoto; Morena boca de ouro, na interpretação de João Gilberto; Risque, com Linda Batista; e Os quindins de Yayá, na voz de Ciro Monteiro.

Coqueiro que dá coco

“Vou fazer um samba cheio de inovações...."
(Ary Barroso)

Ary Barroso, como vem contado na “História da música popular brasileira”, lançada na década de 70 pela Abril Cultural, era uma pessoa impetuosa. Parecia sempre pronto para topar paradas em defesa de suas opiniões. Não abria mão do direito da crítica. Acabou, por força do temperamento, entrando em choque com muita gente. Aconteceu com Heitor Vila-Lôbos, outro nome de projeção internacional do meio artístico, considerado também de estopim curto. Foi assim. Ary participava de um concurso de melodias onde Vila-Lôbos era juiz. Todo mundo apostava na sua música, menos Vila-Lôbos, que resolveu conferir o prêmio ao compositor David Nasser (autor da letra de “Canta Brasil”). Ary e Vila não mais se falaram desde então, embora David Nasser, amigo de ambos, se esforçasse por promover a reaproximação. “Voltar a ouvir aquele pilantra? Jamais!” bradava o autor de “Trem caipira”. “Não quero nada com aquele maluco!” replicava o autor de “Maria”.

Mas os dois gênios não carregaram para o túmulo a desafeição. Em setembro de 1955, ambos foram convidados a comparecer ao Palácio do Catete para uma homenagem pela contribuição dada à cultura e arte. Diante da expectativa dos circunstantes, cada qual no seu canto, de cara amarrada, evitavam se olhar. O jornalista David Nasser resolveu pôr fim na desavença. Chegou até o Ary e disse: “Escuta aqui, o Vila me deu aquele prêmio porque eu precisava de dinheiro para operar meu irmão”. “Você jura?” inquiriu o autor da Aquarela. Nasser jurou. Foi o suficiente para quebrar o gelo. Ary abraçou Vila, que ainda cismou de lançar um desabafo pra cima de Nasser: “Sua letra David, era uma porcaria”.

Foi numa noite chuvosa de 1939 que a “Aquarela do Brasil”, nosso segundo hino nacional, ganhou forma. Ary, ao piano, anunciou: “Vou fazer um samba cheio de inovações...” Meia hora depois música e letra ficavam prontas. Um cunhado lançou objeção a respeito de um verso: “Coqueiro que dá coco? Que queria que ele desse?”. Ary não deu bola pra observação. Antes do final do ano, levada a disco na voz de Chico Alves, a melodia começou sua escalada de ininterrupto sucesso. Ouvindo-a em Belém do Pará, Walt Disney não conseguiu mais deixar de assobiá-la. No Rio, procurou pelo compositor. Encantou-se com o personagem e sua música. Colocou várias composições em filmes que conquistaram as platéias do mundo e deram notoriedade internacional a Barroso, ajudando a fazer da “Aquarela do Brasil” a melodia brasileira mais interpretada nos diversos cantos do planeta. Um clangor de emoções, como dizia o próprio Ary.

A arte de Ary, antes de ele se tornar compositor famoso, foi testada no teatro revista, a um só tempo em que o autor tocava, como pianista, em orquestras cariocas de renome e fazia, de quebra, curso de Direito. Olegário Mariano, poeta da Academia Brasileira, e Luis Peixoto, outro nome de destaque cultural, se interessaram por suas composições. Numa revista levada no Teatro Recreio em 1932, Luis Peixoto virou um dos raros parceiros de Ary. A letra de “Maria”, “cujo nome principia na palma de minha mão”, é de sua lavra.

Brasil lindo e trigueiro

“O silêncio da morte é fogo."
(Ary Barroso)

Ary Barroso atuou como compositor em Hollywood, levado por Walt Disney. Cuidou das trilhas musicais de vários filmes. Foi vereador no Rio de Janeiro, onde se destacou pelo estilo polêmico e apaixonado na defesa de suas crenças. No rádio, atuou como “espíquer esportivo”, como se dizia na época, e como animador de programa de calouros. Teve, como homem público, participação preponderante na batalha pela construção do Estádio do Maracanã.

Defendia, com ardor incomum, as causas e coisas brasileiras, projetando na música o sentimento nacional. Lutou com todas as forças pelo reconhecimento do direito autoral. Foi conselheiro da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), fundador e primeiro presidente da Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Editores de Música, a SBACEM. Seus pares aclamaram-no, mais adiante, presidente de honra e conselheiro perpétuo da instituição.

Não aceitava, definitivamente, a desfiguração do samba. Tinha horror pelas tentativas de bolerizá-lo ou, como costumava dizer, de americanizá-lo. Um exemplo de sua maneira de ser: em 1952, criou “Risque”, clássico da MPB, um dos muitos que compõem seu inigualável repertório de criações artísticas. Na hora dos ensaios finais no estúdio, virou bicho ao perceber a disposição dos produtores de gravar a música em ritmo de bolero. Não deixou que ela perdesse o toque original de samba-canção.

No dia nove de fevereiro de 1964, um domingo, em pleno carnaval, a Escola de Samba Império Serrano começou a se deslocar para a entrada triunfal na avenida (na época não existia ainda o sambódromo), cantando um samba-enredo no melhor estilo de exaltação consagrado na música de Barroso. Prestava-se ali uma homenagem ao compositor brasileiro mais conhecido no país e no exterior. De repente, chega a notícia atordoante: Ary Barroso acabara de falecer. Dias antes ele havia telefonado, do hospital, preso ao leito por doença hepática irreversível, para o amigo David Nasser, anunciando que sua morte estava próxima. “Mas como é que você sabe disso, Ary?” - “Eles estão voltando a tocar minhas músicas.”

O jornalista esportivo José Maria Scassa, companheiro de rádio, resolveu visitá-lo e, surpreso, o encontrou cantando. “Estou cantando, Scassa, porque o silêncio da morte é fogo.”

A Abril Cultural, responsável pela edição da minibiografia onde fomos buscar informações sobre Ary, bem que poderia patrocinar o relançamento, já agora em cd, dessa história, tão rica em conteúdo humano e cultural, do grande compositor. Desse compositor que, navegando pela vida, ensinou que “o segredo principal (...) consiste em não forçar em nada a natureza” e que cantou como ninguém as belezas desse “Brasil lindo e trigueiro”. O seu, o nosso “Brasil brasileiro”.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

O verdadeiro foco da questão

Cesar Vanucci *

“Mesmo assim, ninguém quer ir.”
(Henrique Prata, administrador do Hospital Oncológico
de Barretos, aludindo à remuneração de R$ 30 mil reais
oferecida a médico que se disponha a trabalhar em Porto Velho)

O passionalismo político de alguns e o corporativismo exacerbado de outros vêm concorrendo, em não poucos momentos, para a deturpação do verdadeiro sentido do programa “Mais Médicos”, em boa hora instituído pelo Ministério da Saúde. O foco central da questão que tem provocado acesos debates é a reconhecida carência de atendimento básico de saúde nas regiões distantes e periferias dos grandes centros urbanos.

Criar condições razoáveis para que esse atendimento exista é tarefa que demanda solução urgente em resposta a um clamor angustiante de milhões de brasileiros. Designar médicos para prestar serviços em milhares de lugarejos desassistidos deste país de dimensão continental e em postos de saúde desprovidos da presença de profissionais em saúde pública é o alvo que se pretende louvavelmente atingir. É claro que as vagas disponíveis nos locais de atendimento terão que ser oferecidas, prioritariamente, a médicos brasileiros que se disponham a ocupá-las. Se o número de interessados, entre médicos que atuam no país, revelar-se insuficiente, aí, sim, já numa segunda etapa da operação, os postos remanescentes deverão ser reservados a médicos vindos de outras plagas. Estamos todos diante de uma inocultável realidade. Para os imensos contingentes de usuários espalhados por tudo quanto é canto faz baita diferença, para bem melhor evidentemente, as situações de terem que enfrentar o silêncio frustrante e duradouro de um consultório fechado ou o som acolhedor com (ou sem) sotaque de um profissional de saúde com plantão definido num posto de saúde próximo de onde vivem.

No inicio deste ano, uma pesquisa do IPEA, envolvendo consultas a clientes do SUS (Sistema Único de Saúde) apontou, contundentemente, que o problema nº 1 confrontado pelos brasileiros que recorrem ao atendimento da rede pública é a falta de médicos. A pesquisa mostrou coisas tremendamente sérias. Nada menos que 700 municípios - 15% do total – não contam com um único profissional de saúde sequer. Por outro lado, em quase 2 mil municípios, o número de médicos a postos corresponde a menos de um para cada grupo de 3 mil pacientes em potencial. Imaginem só as circunstâncias dramáticas que podem envolver uma eventual consulta médica com base nesses atordoantes dados estatísticos!

O médico Henrique Prata, administrador do complexo oncológico de Barretos, São Paulo, referência nacional na especialidade, faz uma revelação surpreendente sobre a carência de profissionais médicos. As cinco unidades que administra atendem hoje cerca de quatro mil pacientes por dia, todos pelo SUS. O número de atendimentos poderia ser bem maior, assevera. “Estamos atendendo 30% a 40% menos pacientes do que seríamos capazes se conseguíssemos mais médicos. E olhem que ele está se referindo às atividades de um centro médico super equipado, pertencente a uma organização modelar que oferece remuneração de até R$ 30 mil mensais. Este valor, por sinal, está sendo ofertado a médicos que se disponham a trabalhar em Porto Velho, no norte do país. “Mesmo assim, ninguém quer ir.” Com amplo conhecimento de causa, ele acrescenta a informação de que em todo o Estado de Rondônia existem apenas dois especialistas em oncologia, ambos vinculados à rede privada de assistência médica.

Outra informação valiosa que tem sido divulgada pelo Programa “Mais Médicos” diz respeito aos gastos elevados do SUS com o tratamento das complicações de enfermidades que poderiam ser melhormente controladas em postos de saúde que garantissem atendimentos médicos básicos. Um número esclarecedor: somaram R$ 3,6 bilhões em 2012 os dispêndios governamentais apenas com o tratamento de situações enfermiças associadas à obesidade.

Resumo da ópera: o deslocamento de médicos para o interior desprotegido representa uma relevante e indesviável empreitada social. O debate a ser travado em torno da momentosa questão, visando a implantação e o aprimoramento gradativo do esquema de atendimento traçado, não poderá jamais perder de vista seu foco central.


Giro por este mundo maluco (I)

 “Loucura, sim, mas há método nela.”
(William Shakespeare, “Hamlet”, Ato II,
 Palavras de Polônio, texto selecionado por Paulo Rónai)

˜ O Brasil, com este baita “trensalão” que explodiu em São Paulo, também conhecido por “panamá do metrô”, não é o único país do mundo alvejado pelos atos de corrupção praticados em alta escala pelo cartel de megaempresas do setor de transportes. No momento em que as investigações em torno dos trambiques promovidos por aqui avançam, revelando situações escabrosas envolvendo “cidadãos acima de qualquer suspeita”, noutras partes do mundo esquemas de corrupção semelhantes, de menor monta talvez, estão sendo também desmontados. À Siemens, por exemplo, vem sendo atribuído no noticiário internacional um total superior a 4 mil pagamentos eivados de suspeição implicando na liberação de propinas de valor avultadissimo a políticos influentes  da Argentina, Rússia, Israel, Venezuela, China, além naturalmente do Brasil.

˜ Os militares golpistas do Egito estão calvos de saber que nada de concreto será feito, no frigir dos ovos, pela comunidade internacional no sentido de conter as barbaridades que vêm praticando. A ajuda financeira substanciosa assegurada pelos Estados Unidos e países europeus, que deveria ser automaticamente cancelada em consequência da interrupção do processo dito de transição democrática, jamais ser-lhes-á sonegada. E se isso, surpreendentemente, viesse a acontecer, é mais do que certo que as tirânicas monarquias feudais do mundo árabe, com a Arábia Saudita à frente, cuidariam de preencher com rapidez – prestimosas aliadas que são das grandes potências ocidentais – o “vazio” que poderia surgir de uma inimaginável ruptura na cooperação estadunidense-egipcia.

˜ Laboram em rotundo engano as pessoas de boa fé que identificam nas condenações veementes ouvidas a cada momento contra a ferocidade da ditadura síria o sincero propósito das grandes potências em se verem livres da presença incômoda do déspota Bashar al Assad no conturbado cenário do Oriente Médio. As críticas à ação do governo de Damasco não passam de jogo retórico pra inglês ver... A chancelaria britânica, pra não falar nas de outros países, conhece essa cantilena enganosa de cor e salteado: o país é um dos fornecedores de armamentos às forças militares que enfrentam os rebeldes sírios. A “lógica” das grandes potências se concentra nos temores de que a eliminação do ditador sírio, por mais abominada que seja sua atuação, poderia favorecer a chegada ao poder de grupos radicais ainda mais nocivos, se é que isso seja ainda possível acontecer. O que fazer? As estratégias geo-politico-econômicas são sempre assim: indigestas e perversas.

˜ No Irã, país dos aiatolás raivosos e seus fanáticos seguidores, dez mil eleitores da cidade de Qazvin apontaram a bela jovem Nina Siakhali Moradi, de 27 anos, para representá-los na Câmara Municipal. A posse da moça foi contestada pelos clérigos sob a alegação de ser ela possuidora de atributos físicos capazes de desencadearem “comportamentos não condizentes com os valores religiosos e os bons costumes”. Pelas barbas do profeta!


Giro por este mundo maluco (II)

 “A violência e arrogância estão
invariavelmente entrelaçadas com a mentira.”
(Soljenitsin, ao receber o Nobel da Paz)

˜ A detenção, por nove horas, do jornalista brasileiro David Miranda na escala de duas horas em Londres, voltando de Berlim para o Rio de Janeiro, não passou de um ato de prepotência com fitos de intimidação. Agiu bem o Itamaraty ao condenar a arbitrariedade e convocar o embaixador britânico para esclarecimentos.
O lastimável incidente obedece ao padrão instituído arrogantemente pelas grandes potências valendo-se de métodos típicos dos regimes autoritários que alegam combater. Antes dessa detenção, como se recorda, o avião presidencial de Evo Morales foi submetido a ultrajante busca, ao pousar em aeroporto europeu, sob a falsa alegação de que estava transportando a La Paz o ex-agente da CIA que desnudou os detalhes da operação de espionagem mundial praticada por agências do governo americano. A intimidação ao jornalista baseou-se na circunstância de possuir informações, obtidas como profissional de imprensa, pertinentes aos implacáveis arquivos de Edward Snowden (ora asilado na Rússia) sobre a xeretagem eletrônica daqueles órgãos.

˜ Faça a experiência numa roda de amigos e conhecidos. Coloque na pauta do papo descontraído o caso do ex-agente estadunidense da CIA Edward Snowden. Aquele mesmo que deu conhecimento ao mundo dos detalhes da vasta operação de espionagem, visando o monitoramento das comunicações telefônicas e pela internet, promovida pelo governo dos Estados Unidos dentro e fora de seu território. Pergunte à patota reunida se ela considera Snowden um cara legal ou um cidadão norte-americano desnaturado, como insistem em configurá-lo dirigentes governamentais de seu país. É certo que a quase totalidade dos consultados venha cravar “x” na primeira hipótese. Snowden é visto, pela maioria das pessoas, como um idealista que assumiu atitude crítica com relação à violação dos direitos humanos cometida pelos dirigentes de sua grande nação. Uma nação que, debaixo dos aplausos de muita gente, reportando-se ao notável desempenho que teve no desmantelamento da ameaça nazista na 2ª Guerra Mundial, faz questão de brandir no cenário mundial, como nenhuma outra, o estandarte da liberdade e dos direitos civis como “atributos inalienáveis” da condição humana.

˜ O desmesurado empenho dos superiores hierárquicos do soldado estadunidense Bradley Manning em desqualificá-lo, com insistentes revelações acerca de suas opções sexuais após a condenação pela corte marcial, não invalida em nada a gravidade das denúncias por ele formuladas. Aquelas cenas do helicóptero metralhando civis desarmados, “confundidos” com terroristas, são contundentes demais da conta. Uma perguntinha que não pode deixar de ser feita: os militares que apertaram o gatilho serão levados também à corte marcial?

˜ O governo israelita acaba de dar mais uma prova concreta de sua “resoluta disposição” em promover, por meio de atos e diálogo, a paz com os palestinos. No preciso instante em que, sob a mediação dos Estados Unidos, representantes do Israel e da Palestina se sentavam à mesa de negociações em Washington para reabrir as negociações em torno dos candentes problemas do Oriente Médio, dirigentes de Telavive autorizavam uma nova frente de implantação de assentamentos de colonos judeus na Faixa de Gaza. Tá danado.

A SAGA LANDELL MOURA

O instinto belicoso do bicho-homem

                                                                                                     *Cesar Vanucci Faço um premente a...