sábado, 30 de abril de 2016


Fatos são fatos

 Cesar Vanucci

“Governo acaba, crise só começa.”
(Ricardo Corrêa, jornalista)
A política é um jogo complexo onde as cartas são embaralhadas de forma a gerar inimagináveis composições. E onde as hipóteses mais improváveis tornam-se de repente factíveis. A crônica do setor é fértil em circunstâncias reveladoras de posicionamentos políticos aparentemente sólidos que se viram submetidos a inesperadas alterações na vigésima quinta hora.

Mas, falar verdade, no episódio do impeachment a perspectiva claramente delineada, neste preciso e incandescente momento, aponta na direção de uma inarredável disposição parlamentar de encurtar irremediavelmente o mandato de Dilma Rousseff. Tudo deixa crer que a votação do Senado, nas restantes etapas de avaliação do processo, acompanhará fatalmente a tendência pró-afastamento manifestada na Câmara dos Deputados. Profusa sinalização dá conta de que o Governo carece de base de sustentação nas bancadas partidárias capaz de garantir a reversão dos fatos.

Vários fatores de peso contribuíram para que a situação chegasse a esse caminho supostamente sem volta nessas penosas definições assumidas na esfera legislativa.  Realce especial deve ser atribuído, na lista dos fatores negativos, à ineficiência gerencial estridente do Executivo. A inoperância atraiu volumosa onda de impopularidade. Impopularidade essa – forçoso reconhecer – exacerbada pela intensidade de certas falas midiáticas influentes, despojadas de isenção. A notória incapacidade da Chefe de Governo para promover diálogos propositivos com as lideranças políticas e comunitárias e ainda para compor equipes de colaboradores e assessores competentes e confiáveis influiu, também, marcantemente, para que a crise ganhasse os contornos conhecidos. Não merece ser olvidada, nada obstante, a argumentação de não ter ficado devidamente configurado, até aqui pelo menos, o crime de responsabilidade que se lhe foi atribuído. Taí argumento que poderá sobreviver às intempéries ditadas pelas paixões.

Respeitável entendimento jurídico, expresso nas vozes de conceituados intérpretes constitucionais, estipula que o impeachment não é instrumento a ser empregado para destituição de um governo diante da constatação de que contra ele se acumularam enormes discordâncias nos variados segmentos comunitários. Os regimes presidencialista e parlamentarista diferem fundamentalmente no tratamento dispensado aos titulares de cargos executivos atingidos por inequívocas demonstrações de impopularidade. O impeachment no caso atual impõe, necessariamente, em assim sendo, a caracterização da responsabilidade. Não há como relativizar o conceito. Na eventualidade de que isso seja subestimado, poderá ocorrer de preceitos jurídicos fundamentais, intrínsecos ao Estado democrático, ficarem na temerária dependência do juízo de casuísmos políticos, de conveniências de ocasião.

Mas, fatos são fatos. Os recentes acontecimentos prenunciam que o governo Dilma está inexoravelmente com os dias contados. Mesmo que o deprimente espetáculo circense encenado por numerosos deputados, nas declarações de votos que asseguraram o encaminhamento ao Senado do processo de impeachment, tenha de certo modo robustecido a tese da carência de configuração do crime de responsabilidade, o que agora se projeta, diante do olhar da Nação, de forma insofismável, é a vontade política parlamentar, agregando poderosos apoios, de afastar Dilma do poder.

Nada de ilusões. Enganoso supor que a crise política, com seus efeitos perversos sobre as atividades produtivas, geradoras da riqueza social, findará aí. Os sucessores de Dilma na linha constitucional, Michel Temer e Eduardo Cunha, por mil e um motivos sem que se precise declinar de momento qualquer deles, não reúnem as condições, do ponto de vista majoritário da sociedade, para colocar em prática as medidas que o Brasil tanto almeja e que possam permitir-lhe reencontrar, urgentemente, os caminhos do desenvolvimento social e econômico.

Programa de tevê

Cesar Vanucci

“Contemplar a mediocridade de certos programas  de televisão é uma experiência acabrunhante...”
(Antônio Luiz da Costa, professor)


O apresentador: Encerrado o desfile, vamos ao julgamento. Recordo aos componentes do júri que não estará em causa, para efeito de avaliação, o traje do candidato. O que conta é apenas a estatura, a calvície e o bigode dos participantes. Qual o anão bigodudo careca mais simpático? Para aponta-lo, entre os candidatos reunidos, classificados nos testes eliminatórios, é que se encontra aqui reunida a nossa douta banca, hoje enriquecida com a presença da conhecida manequim profissional Lindalva  Jabaquara.  Em julgamento!


Um dos jurados: Um momento, por favor. Antes da votação, não poderia ser fornecida a relação dos prêmios destinados ao felizardo ganhador?


O apresentador: Oportuna a sugestão. Vamos atendê-lo. O anão calvo bigodudo mais simpático ganhará uma viagem a Lhassa, para visita aos monges budistas da cabeça raspada, oferta das Linhas Aéreas Conchichinenses; visita a Hollywood, para almoço na mansão que pertenceu ao saudoso Yull Brynner; integrará o elenco da novela “Manuel Joaquim, o norueguês”; ganhará uma tesoura de madrepérola, com incrustações de esmeralda trabalhada. Essa tesoura, diz a lenda, pertenceu ao Conde Calabouço, da Casa Real da Prússia. O conde a usava para aparar excessos capilares. A preciosidade pertence ao acervo particular de madame Fifi Ventura, de nossa “haute gomme”. Fará jus ainda a um guarda-roupa completo para as viagens, oferta do consagrado estilista Fred Dondoca. E, por último, receberá uma coleção da obra, em dezessete volumes, encadernação de luxo, “Choveu orquídea no meu aquário”, de Nenê Turner, nosso maior especialista em etiqueta, por sinal, presente como convidado especial ao programa de hoje.

Passemos, agora, então, ao julgamento.

O seu voto...


Primeiro jurado: Num tá fácil... O candidato número dois tem um bigode muito interessante, ligeiramente pontiagudo nas extremidades. Com jeito assim de Dom Ameche na paquera de Alice Faye, misturado com um pouco de Pedro Armendariz. Mas, por outra parte, sua careca não é lá tão exuberante assim. Quer saber duma coisa? Voto no número quatro.


Segundo jurado: Como disse o brilhante colega que me antecedeu, a escolha não é nada mole... A gente não poderia dar uma nota para a careca e outra para o bigode? Há candidatos de bigodes irrepreensíveis e de careca nem tanto. E vice-versa...


O apresentador: Não dá pra atender o que o colega pede. O candidato terá que ser julgado no conjunto. O seu voto, rápido, rápido, por favor: “Time is money”, como dizem os Hermanos argentinos...


Segundo jurado: Sendo assim, fico com o número cinco...


O apresentador: O voto seguinte, rápido...


Terceiro jurado: Poderia fazer um “close” da careca do número sete? Obrigado. Achei o bigode do moço muito bem cultivado. Aparado com perfeição. Dir-se-ia até tratar-se de um espadachim valenciano, da época renascentista. Já a careca, à distância, não me parecia – como diria? – bem delineada. Com o “close” a dúvida se desfez. Fico com o sete.


Quarto jurado: Gostaria de saber do candidato número sete se o seu bigode é herança de família, ou foi por ele mesmo ideado? Acho, sinceramente, que nenhum candidato reúne condições tão especiais para arrebatar o prêmio...


Candidato número sete: Muito obrigado, muito obrigado. Não sei como agradecer tanta demonstração de carinho... Aproveito para mandar um beijo e um abraço para meus queridos genitores e toda a patota lá de Fervedouro, minha terra natal...


O apresentador: Boniiiiiito! É assim que se fala! Palmas para o número sete, que ele merece!


Quinto jurado: E se o bigode do anão escolhido for falso? Não ri, não... Pode acontecer. Já ouvi falar de fraudes cometidas noutros concursos.


O apresentador: A produção do programa já considerou esse aspecto e afastou a possibilidade de ocorrer qualquer embuste. Mas como você insiste, faremos uma verificação no intervalo.

Nossos comerciais, por favor!

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Maracutaia de dimensão global


Cesar Vanucci

“... um sistema econômico manipulado para favorecer os poderosos”.
(Registro da Oxfam sobre os paraísos fiscais e suas “offshores”)

Os famosos “paraísos fiscais”, caixas-fortes de contas secretas predominantemente constituídas de mufunfa de origem suspeita, atraem na atualidade de forma intensa os holofotes da mídia. Tudo advém de um trabalho jornalístico internacional de fôlego. Ancorado em toneladas de documentos, o “Panama Papers” trouxe a lume os pormenores de uma corrupção global em proporções nunca vistas.

O colossal escândalo envolve 214 mil “clientes” em todos os cantos do mundo. Um punhado de brasileiros figura na lista. Segundo denúncia do jornalista Henrique Beirangê na “CartaCapital”, estariam havendo tentativas, em setores da Justiça e da Comunicação, de ocultar da opinião pública brasileira informações relevantes acerca da participação no esquema fraudulento investigado de alguns desses nossos patrícios.

O “Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos” (ICI, em inglês), integrado por mais de uma centena de profissionais, debruçou-se durante um ano no exame de 11,5 milhões de documentos pertencentes a uma firma de consultoria com sede no Panamá, a “Mossack Fonseca”. O resultado desse esforço foi uma impressionante coleta de dados sobre o “modus operandi” das tais “offshores”. Ou seja, desses sistemas criados em alta escala com o fito de resguardar conveniências de abonada clientela interessada no mínimo em tapear o erário. Mas está comprovado que boa parte das organizações e pessoas que recorrem ao esquema cogita mesmo, no duro da batatolina, de conservar na moita recursos abocanhados em outras diversificadas atividades ilegais. A saber: lavagem de dinheiro, corrupção, negócios de armas e de drogas, sonegação de impostos, contrabando, ocultação de patrimônio e por aí vai...

A extrema fragilidade do sistema financeiro mundial ficou, outra vez mais, evidenciada na análise da documentação arrolada pelos jornalistas. Importantes corporações empresariais, investidores de grande porte, personagens de presença realçante no cenário político internacional foram apontados como autores das ilicitudes praticadas. Entre eles, chefes de governo ainda no exercício do mandato. Casos da Argentina, Rússia, Inglaterra, Islândia, China. E mais: 70 ex-Chefes de Estado, incluídos ditadores sobre os quais pesam acusações de haverem saqueado os cofres públicos de seus países. Da relação dos “paraísos fiscais” mapeados, em número de 21, fazem parte Panamá, Suíça, Ilhas Cayman, Estados Unidos (província de Nevada), China (Hong Kong), Cingapura, Luxemburgo. Estima-se que 500 bancos envolveram-se nas mutretas, favorecendo o esquema das fraudes montadas com o objetivo de atender às safadezas cometidas por 16 mil empresas de fachada situadas em 200 diferentes países. Cento e quarenta políticos, empresários e funcionários públicos, 7 agremiações partidárias e 57 elementos, por sinal já devidamente enquadrados por outros crimes de corrupção, responderiam pela “cota-parte” de nosso país, num primeiro levantamento, sujeito obviamente ainda a alterações numéricas, nessa formidanda maracutaia de dimensão universal...

Estimativas consideradas demasiadamente conservadoras sustentam ser de 7,6 trilhões de dólares os depósitos recolhidos nesses “paraísos fiscais”. A soma equivale aos PIBs da Inglaterra e da Alemanha, com alguma sobra. Representa 8% da riqueza mundial. Recentemente, conforme assinalam Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo num substancioso comentário divulgado na “CartaCapital”, o “Comitê de Oxford para Alívio da Fome”, sigla OXFAM, chamou a atenção para uma rede de paraísos fiscais e uma indústria de evasão fiscal que floresceu nas últimas décadas e que constitui um exemplo inquestionável de um sistema econômico manipulado para favorecer os poderosos. Outra constatação da OXFAM: 90% das 200 maiores corporações do mundo promovem negócios nos “paraísos fiscais”. Os investimentos canalizados em 2014 para essas cidadelas de fortunas mal adquiridas foram quatro vezes maiores do que em 2001.

É assim que a humanidade caminha. Nesta nossa maltratada ilha solta no infinito oceano cósmico a ganância desenfreada, apta a promover qualquer ignomínia, confere validade permanente àquele ditado espanhol que diz simplesmente o seguinte: entre Deus e o dinheiro, o segundo é (sempre) o primeiro!


Felicidade Interna Bruta

Cesar Vanucci

“A FIB propõe índices menos materialistas e
mais sustentáveis para avaliar o desenvolvimento.”
(Guilherme Mazui, jornalista)

O reino do Butão, encrustado em deslumbrante paisagem do Himalaia, trocou há décadas o método de aferição da prosperidade comunitária. Substituiu o PIB (Produto Interno Bruto) pela FIB (Felicidade Interna Bruta). O inovador sistema brotou da cachola de um governante dotado de aguçada sensibilidade social, logo se vê. Cidadão empenhado no plantio de estruturas de vida aptas a conferirem ênfase, na busca do progresso, aos índices de desenvolvimento humano voltados para o ideal da sustentabilidade.

Príncipe Jrgme Singye Wang-chu-k, o nome do personagem. Para execução de seu projeto revisionista ele recorreu à ajuda do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). As medidas adotadas influenciaram significativas mudanças nos padrões comportamentais da população. As modificações tiveram em mira o bem-estar social. Não ficaram apenas no plano retórico, como acontece amiúde mundo afora. Generosos anseios de crescimento pessoal ocuparam o centro das decisões nas políticas públicas praticadas. Partiu-se da constatação de que as tradicionais concepções universais sobre o que seja prosperidade não contemplam, nem sempre, os verdadeiros interesses humanos. O PIB, segundo reconhecem reputados estudiosos das ciências sociais, projeta de certo modo uma contabilidade distorcida, desfalcada de humanismo. Deixa ao largo das cogitações imediatas itens valiosos em matéria de desenvolvimento. Parece desconhecer que, além das tabulações econômicas, o processo da construção social autêntica deve englobar informações relativas à educação, expectativa de vida, e outros valores de cunho psicológico-espiritual indissociáveis da dignidade inerente ao ser pensante.

País de PIB minúsculo, o Butão é lar de quase um milhão de pessoas que convivem, no exercício cotidiano, com índices nulos de miséria. Cultura, educação, saúde, uso do tempo, ecologia, padrão de vida, vitalidade comunitária, boa governança e bem-estar psicológico são os fatores constitutivos da FIB, repita-se, Felicidade Interna Bruta. Esses aí os alvos obsedantemente perseguidos pela criatividade e esforço produtivo do país. O ser humano é reconhecido como a medida correta das coisas. Por isso o Butão transformou-se num formidável laboratório experimental onde a criatividade, o labor, a conjugação de vontades estão concentrados no propósito de assegurar a satisfação das pessoas sobre a própria vida. Com toda certeza, esse reino é o pedaço do mundo onde melhor se compreende o desagrado causado à aventura da vida em sua essência por essa tremenda e perversa confusão estabelecida entre “fins” e “meios”, como consequência da ganância reinante no planeta. Os fins – relembremos - são sempre sociais. Os meios, vistos como tais a economia, a educação, a tecnologia, são apenas suportes utilizados para se atingir os objetivos. Sempre sociais.


quinta-feira, 14 de abril de 2016

Momento político reclama serenidade


Cesar Vanucci

“Roosevelt tinha toda razão. Os pés do individuo
radical estão firmemente plantados no ar.”
(Antônio Luiz da Costa, educador)

É totalmente compreensível a apreensão externada por vozes representativas do verdadeiro sentimento da Nação diante das raivosas paixões políticas fomentadas pelas minorias radicais. Infiltradas nas manifestações dos lados contendores, elas têm sido responsáveis por azeda e inflamada retórica. O bom senso recomenda seja refreada a todo custo a contaminação, por atos e palavras de teor incendiário, do processo democrático que rege os destinos brasileiros. É imperioso, por outro lado, assegurar seja levado a desfecho satisfatório o combate aos desmandos sistêmicos detectados não é de hoje na vida do País. Vale a pena repetir: esse processo investigativo está ancorado nas aspirações da sociedade.

De maneira a rechaçar apropriadamente as – chamemo-las assim – “vociferações jihadistas” dos elementos extremados das correntes em aberto litigio, que se servem das passeatas, redes sociais e tribunas para exacerbar ânimos com palavras de ordem desabridas, em desacordo com os postulados republicanos e democráticos, alinhamos aqui meia dúzia de três ou quatro considerações que traduzem convite a uma serena reflexão a respeito da conjuntura política.


A sabedoria humana ensina que as lateralidades ideológicas são desfalcadas do discernimento necessário na busca das corretas soluções para os problemas da convivência social. Outra lição de vida valiosa, igualmente na linha dos princípios, deixa claro que os fins não justificam (jamais) os meios. Negar tão sábia tese implicaria, num exemplo abominável, em se fazer vista grossa à tortura como “método eficiente” na obtenção de confissões. É essencial não perder de vista, também no plano dos conceitos basilares, que a democracia é acima de tudo um estado de espírito. Ninguém a concebe perfeita e sem defeitos, mas mesmo assim não se pode deixar de reconhecê-la como única forma de governo compatível com a dignidade humana.

A pandemia da corrupção, que tanta angustia traz a alma popular, carece ser combatida com rigor. Doa a quem doer. A sociedade entende perfeitamente que as ações legais corretivas colocadas em execução, de algum tempo para cá, confrontando um certo “clima político” (extensível a outros setores) de tolerância e acomodação descabidas quanto a malfeitos contra o interesse público, são positivas. Revestem-se de irrecusável legitimidade. Como magistralmente sublinhado por centenas de Promotores de Justiça, Procuradores da República, Procuradores de outras instituições num manifesto recente em que se propõe uma análise crítica sobre excessos nas investigações processuais em andamento – manifesto esse, por razões estranháveis, não divulgado com realce merecido pela grande mídia -, é “ponto incontroverso que a corrupção é deletéria para o processo político, social, econômico e jurídico de nosso País, e todos os participantes de cadeias criminosas engendradas para apropriação e dilapidação do patrimônio público, aí incluídos agentes públicos e privados, devem ser criteriosamente investigados, legalmente processados e, comprovada a sua culpa, responsabilizados.” Lapidar orientação! Não importa o cargo, não importa a relevância política e econômica dos personagens envolvidos, a ação da Justiça, em insofismáveis termos legais, sem concessões a práticas abusivas travestidas de legalidade, terá que se mostrar implacável. É o que a Nação ardentemente almeja.

A chamada “delação premiada”, empregada em alta escala, alvo de questionamentos frequentes na esfera jurídica, há que ser encarada, face a tão salutares postulados, como um registro relevante na composição do conjunto de provas. As revelações poderão, ou não, conduzir à incriminação das pessoas porventura investigadas. Mas não poderão ser apresentadas ao público como um libelo acusatório formal. O vazamento de declarações feitas sob o sigilo da lei, “selecionadas” com fito político para alimentar manchetes, é ilegal, nocivo. Precisa ser abolido em nome da paz social, com apuração, sim, de responsabilidades. Agentes públicos, mesmo na mais lisa e reta das intenções, mesmo que despojados de desejos de protagonismo político, não têm o direito de ferir a lei para fazê-la, de acordo com seu estrito entendimento, “melhor cumprida”. Os fins – repita-se – não justificam os meios. Que benefício poderá trazer à causa das necessárias apurações das vergonhosas maracutaias detectadas uma divulgação estardalhante, desacompanhada de provas, de lista solta de nomes – num caso recente, os nomes citados chegaram a centenas – elaborada por alguém comprometido em atitude delituosa?  Não é fora de lógica conceber-se que o depoimento de indivíduo ansioso pela redução de pena em função das safadezas cometidas possa conter inverdades, como não? Numa circunstância assim como fica, perante a opinião pública, a imagem de cidadãos pejorativamente arrolados cuja trajetória de vida não comporte, na verdade, indicações de desvios clamorosos de conduta que lhes sejam levianamente imputados, sabe-se lá com quais intuitos pelo delator delinquente? Poderá acontecer (aliás, já ocorreu nalguns desses esquemas censuráveis de propagação açodada de nomes) de se chegar à conclusão de que os “acusados” não tinham culpa alguma no cartório. O que fazer, à guisa de reparação moral, numa situação de injustiça assim tão bem configurada?

 O partido chamado Brasil

Cesar Vanucci

“E o PMDB, hein? Mais peemedebista que nunca!”
(Domingos Justino Pinto, professor)

Já foi dito, mas faz-se oportuno repetir, que a polarização política agressiva afeta a institucionalidade democrática. Temos aí algo que não consulta jeito maneira os interesses da Nação, nem tampouco conduz coisa alguma a lugar nenhum. Importa também ratificar que a repressão à corrupção sistêmica que alveja inclementemente a coletividade carece ser executada em irrepreensíveis moldes éticos. De forma republicana e transparente, com procedimentos de induvidosa legalidade.

Como vimos enfatizando, a opinião pública coloca ardente fé na perspectiva de que os autores de lesões ao patrimônio comunitário, militem na área pública ou na área privada, sejam criteriosamente investigados, legalmente processados e, definida a culpabilidade, exemplarmente punidos.

Isto posto, cabe admitir que o Supremo Tribunal Federal agiu com sabedoria, à altura da confiança depositada pela sociedade em sua conduta, quando resolveu, em momentosa intervenção do relator Teori Zavaski, revisar excessos percebidos em diligências investigatórias do chamado Lava Jato. Um processo – diga-se de passagem - acompanhado com enorme expectativa e esperança. Reconhecendo a “ilegitimidade da decisão” tomada na instância judicial própria, no tocante à interceptação de telefones do Palácio do Governo e consequente divulgação de conversas “grampeadas”, Zavaski qualificou de “descabida a invocação do interesse público”. De forma polida, mas vigorosa, deixou patente que o surreal episódio tornou “irreversíveis os efeitos práticos decorrentes da indevida divulgação das conversações telefônicas interceptadas”, agredindo a lei processual e violando caras prerrogativas democráticas.

A “arapongagem eletrônica” tensionou ainda mais o ambiente político.  Não foram poucos os cidadãos que, espantados com a insólita ocorrência, chegaram até a expressar, País afora, receio de que mais interceptações telefônicas pudessem estar sendo feitas por atacado, ao arrepio da lei, atingindo outras figuras representativas dos Poderes da República, lideranças influentes de diferentes setores de atividades e cidadãos comuns.

Noutra determinação de suma importância, a Corte maior estabeleceu também as diretrizes ritualísticas a serem seguidas na delicada questão do pedido de impedimento presidencial impetrado por cidadãos inconformados com a atuação, no Governo da República, de Dilma Rousseff. A adoção dessa medida evitou que a tramitação do processo desencadeado na Câmara dos Deputados obedecesse às passionais conveniências do deputado Eduardo Cunha, presidente da Casa. O personagem em foco, como sabido, foi enquadrado pela Procuradoria Geral da República num sem número de delitos. É julgado neste instante, sob a alegação de quebra de decoro, na Comissão de Ética do órgão que comanda. O ordenamento do Supremo precisou que o caso em exame no Parlamento, observadas as cautelas constitucionais, tenha como ponto de partida a configuração inequívoca do crime de responsabilidade imputado à Chefe do Governo.

Paralelamente a tudo isso, a cúpula do PMDB, mais peemedebista do que nunca, de olho arregalado nas arquibancadas, protagonizou no gramado político uma senhora pantomina. Situação impossível de vir a ser algum dia suplantada por quaisquer outros fervorosos adeptos da demagogia rasteira e do fisiologismo debochado. Com pompa, trescalando farisaica insinceridade, anunciou o desligamento do Governo. Governo com o qual andou contraindo indissolúvel parceria há mais de uma década, abocanhando a maior fatia dos cargos executivos e compartilhando de forma irrenunciável os desacertos e acertos alcançados. Mais desacertos do que acertos, no ver das ruas.

A indesejável efervescência política deste momento produz, está na cara, incalculáveis danos nas atividades produtivas. Cria ambiente propício à recessão e ao desemprego, coisas que se colocam em desarmonia frontal com as potencialidades invejáveis que este País sempre oferece e que só poderiam mesmo estar ocorrendo em função de erros crassos cometidos pelas lideranças com responsabilidades definidas no processo de desenvolvimento econômico e social. Cenário tão perturbador exige das lideranças e correligionários do grande partido nacional – deste partido chamado Brasil – reposicionamentos e reflexões escorados no bom senso, na consciência cívica e democrática da sociedade, na disposição franca para diálogos construtivos. Esta a maneira ideal de se construir urgente e adequada solução para a crise, sem que se perca de vista a vocação de grandeza do País.


 


Análise crítica polêmica da
conjuntura feita por Ciro Gomes

  
Ciro Gomes, pré-candidato à Presidência da República pelo PDT, voltou a fazer uma análise sobre a conjuntura brasileira, em entrevista concedida à jornalista Marina Schmidt, no “Jornal do Comércio” de Porto Alegre. Suas avaliações, num estilo que carrega inconfundível marca, acerca da atuação de personagens de presença realçante na cena política e dos atos por eles praticados são, como será visto, bastante polêmicas. As críticas atingem tanto lideranças da situação quanto da oposição.
Esta a entrevista.
 
Contundente, Ciro Gomes (PDT) é uma das vozes políticas críticas ao processo de impeachment - que rechaça veementemente - contra a presidente Dilma Rousseff (PT). Em suas entrevistas, a exemplo desta ao Jornal do Comércio, um dos termos ao qual o ex-ministro da Fazenda e ex-governador do Ceará mais recorre é democracia.
Atento a todos os estágios da conjuntura enfrentada pelo País, Ciro revela que não tem mais o direito de se omitir sobre a política brasileira depois dos cargos que ocupou e disputou ao longo de sua trajetória. Embora já seja exaltado por muitos como candidato em 2018, ele responde que a questão exige ainda bastante reflexão.
Jornal do Comércio - Os embates econômicos no Brasil estão centralizados na dicotomia entre o que o senhor chama de "neoliberalismo de quinta categoria" e "keynesianismo mal lido"...
Ciro Gomes - É o PT advogando esse keynesianismo mal lido, como se um país sustentasse desenvolvimento pelo consumo - e aí, evidentemente, houve um ciclo, mas onde ele deu? O que sustenta desenvolvimento é a formação bruta de capital alto, é uma taxa de investimento elevada aplicada estrategicamente. Isso é o keynesianismo moderno. E o neoliberalismo está desmoralizado. Em 2008, se alguém ainda estava duvidando, desmoralizou-se, porque esterilizaram quase US$ 2 trilhões de riquezas nessa impertinência. E ainda hoje remanesce a tragédia, porque a Europa não tem mais o menor mecanismo de coordenação, porque as ferramentas todas foram desmontadas por prostração ideológica.
JC - Qual seria a corrente econômica mais promissora no atual cenário?
Ciro Gomes - Acho que Keynes lido modernamente traz algumas questões. E mais do que alguma corrente, minha reflexão é a seguinte: será que há um padrão a ser replicado que explique o êxito civilizatório? Quer dizer, por trás de toda essa imensa diferença de línguas, histórias, institucionalidades, manipulação ideológica, enfim, será que existe um padrão? Penso, comovidamente, que sim, que são estes três: elevar o nível interno de poupança; coordenar estrategicamente governo, empresariado e academia em torno de um projeto nacional com começo, meio e fim; e investimento em gente.
JC - Durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) houve a compra de votos para reeleição por R$ 200 mil e que não teve uma investigação tão profunda...
Ciro Gomes - Foi investigado e foi punido quem vendeu o voto. Agora, quem comprou o voto e foi beneficiado está aí fazendo discurso moralista hoje.
JC - Isso não seria um motivo muito mais agravante para um impeachment do que o que temos colocado hoje?
Ciro Gomes - Sem dúvida. Mas o remédio para o governo que a gente não gosta ou o governo ruim não é interrompê-lo. É forçar que ele mude de caminho ou mudá-lo no período que a democracia nos dá. Por isso que, na época em que o PT foi pelo impeachment do Fernando Henrique, fui contra. E agora estou contra o impeachment da Dilma, pelas mesmas razões.
JC - Neste momento em que se debate financiamento de campanha, gasto público e corrupção, poderia se pensar em um avanço da democracia, mas não parece que é o que está acontecendo...
Ciro Gomes - Democracia não é um regime de concessão. Não é o despotismo esclarecido que vai fazer democracia. Democracia é um regime de conquista. Não é um regime de concessão. É um regime de cidadania, de sacrifício, de mediação de conflitos. Estamos muito longe disso. Não temos uma geração ainda democrática. A democracia brasileira, sob o ponto de vista protocolar, não tem 25 anos, quanto mais de prática. Só temos uma democracia eleitoral, que é um princípio importante. Por exemplo, aqueles remédios que estão na Constituição, de democracia moderna, de plebiscitos e referendos, que são praticados como rotina nos Estados Unidos e na Europa, aqui a elite brasileira considera chavismo. Porque acabou a eleição, o povo vai para casa, se dispersa, e o lobby, o grupo de pressão, o corporativismo, toma conta da representação popular, que só vai se lembrar da agenda do povo de novo quatro anos depois. Por isso é preciso lutar. Repare, o filme é muito velho. Em 1999, Fernando Henrique desvalorizou o câmbio, a reeleição dele foi considerada pela população, como a da Dilma, uma grande mentira, porque foi feito tudo oposto: tarifaço, inflação alta, desemprego pesado, juro muito alto, falência, concordata, pedido de impeachment feito pelo Lula, movimento Fora FHC, que agora é Fora PT. Tudo igual! E numa sequência de escândalos em que estava envolvida a Odebrecht. Mesma coisa. Percebe? E aí o que faz o PT? Imita o PSDB nas mesmas práticas. Tanto no conservadorismo econômico quanto nas práticas patrimonialistas, de manipulação do espaço público para interesses menores ou de projeto de poder.
JC - No que o PT se distingue do PSDB?
Ciro Gomes - É evidente que o PT tem uma vantagem importante em relação ao governo FHC, que é ter promovido um ciclo de expansão dos mecanismos de ascensão social. Não é brinquedo! O poder de compra do salário-mínimo no último ano do governo FHC era de US$ 76,00. No último ano do Lula, estava em US$ 320,00. Crédito como proporção do PIB, quando o Fernando Henrique saiu era 13%. Quando o Lula saiu, era 50% do PIB, basicamente na direção do povão: crédito para construção civil, moradia popular, agricultura familiar e tal. E a rede de proteção social não tem precedente. Hoje, temos R$ 25 bilhões distribuídos para 60 milhões de pessoas, que conseguem fazer três refeições por dia. Isso é a diferença do PT para o PSDB.
JC - Diante do momento econômico que vivemos no País, esses avanços sociais não serão comprometidos?
Ciro Gomes - Não estão totalmente comprometidos, mas há uma rampa decrescente acelerando muito rapidamente. O poder de compra do salário-mínimo já baixou de US$ 320,00 para US$ 250,00, o que é uma base para todo o conjunto de salários. O Bolsa Família não cortaram, mas também não reajustaram. Um quinto da renda da proteção social já se perdeu com a inflação. E o crédito sumiu, colapsando o sonho de ascensão de jovens empreendedores, pequenos e médios empresários, agricultura familiar. Então, o desastre é esse.
JC - A política e a economia estão praticamente paradas devido ao processo de impeachment. O que acha que está por vir?
Ciro Gomes - Estou muito preocupado. Acho que estamos na iminência de surgirem cadáveres por confrontação política odienta. A política brasileira vive seu pior momento, em que o Congresso, que é o santuário da democracia, está dominado por uma quadrilha de bandidos, ladrões. O vice (Michel Temer, PMDB) é um traidor, golpista, enrolado com tudo que não presta também. E, pilotando, há um Judiciário que, às vezes, se acanha de tomar suas providências e, às vezes, infelizmente por elementos individuais, assume protagonismos políticos assustadores, tirando do País qualquer centro de sobriedade e equilíbrio. Isso implanta a selva. Se ninguém mais respeita as instituições, as regras, está valendo tudo. Por que vou reconhecer um governo que vai nascer desse jeito?
JC - Concretizando-se o impeachment, o novo governo sofrerá com grande desgaste?
Ciro Gomes - Não tenha dúvida, porque são os mesmos problemas, agravados pela ilegitimidade, em que o argumento e a defesa de ideias vão ceder lugar à confrontação violenta, e com toda a sensação de que a democracia brasileira encerrou um ciclo. E de que aquela nossa percepção de "ditadura nunca mais" e "golpe nunca mais" era uma ilusão.
JC - Há cogitação de uma candidatura sua em 2018. Essa ideia está cristalina para o senhor?
Ciro Gomes - Não, não está. Não sou candidato há 10 anos. Na minha última eleição, fui o deputado federal mais votado proporcionalmente no Brasil e resolvi parar, porque estou achando tudo uma coisa muito decadente, podre. A população mesmo está muito vulnerável a todas essas manipulações. E não digo que cansei, porque cansado não estou. Comecei a pensar se não estava na hora de eu me dar uma vida privada que nunca tive, quando dá-se essa crise, e me sinto praticamente obrigado a não me omitir. Então, estou na luta porque o Brasil merece, mas daí a ser candidato, só com muita reflexão.
JC - Mas sua candidatura já está sendo bastante apoiada...
Ciro Gomes - Nas duas vezes em que sai candidato, tirei quase 11% dos votos, tendo enfrentado o PT, que parecia o anjo vingador que iria nos salvar do desastre e tal. Hoje estou mais maduro, mais consciente da vida brasileira e tenho uma respeitabilidade que me comove muito, por isso acho que não tenho o direito de me omitir nessa hora difícil que nosso povo está sofrendo e, portanto, tem toda razão de estar desorientado. Tanto os que votaram no Aécio Neves (PSDB) estão zangados, porque acham que a Dilma mentiu, quanto os que estão chocados com a imoralidade generalizada de onde não poderia partir, quanto esses outros que estão preocupados com a decadência econômica: agora é emprego mesmo que está indo para o ralo, é salário que está diminuindo, condição de vida. Há 12 anos, não se falava em desemprego! Eu amo esse povo, mas quero dizer que, custe-me o que custar, interromper o governo é o pior de todos os erros.
JC - Como é a sua vida fora da política? Qual é a sua rotina?
Ciro Gomes - Aluguei um pequeno apartamento de dois quartos em São Paulo. Minha casa é em Fortaleza, mas aluguei esse apartamento a 1,5 mil metros de onde trabalho. Não levei carro para experimentar uma vida sem dirigir. Quando não está muito calor, vou e volto a pé. Trabalho na CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), que me dá todas as compensações que uma pessoa pode ter. Tenho o melhor salário da minha vida hoje. Acabei de ter um filho, que tem quatro meses. Enfim, sou um homem, pessoalmente, muito feliz. Se não fosse a situação do País, poderia dizer que estava realizado.
JC - Em que momento se sentiu impelido a se manifestar diante do cenário político?
Ciro Gomes - Foi no ano passado, quando começou essa escalada do impeachment, dessa coisa do golpe. Meu irmão (Cid Gomes) era ministro da Educação e denunciou Eduardo Cunha (PMDB-RJ) como grande achacador do povo e foi demitido pelo governo Dilma, que preferiu ficar com Cunha. Então, vi que as coisas estavam muito erradas e era preciso criar um caminho para o País voltar a pensar nas coisas e interromper esse itinerário da marcha da insensatez, que é para onde estamos caminhando. Fui convidado pelo Carlos Lupi para me filiar ao PDT, o (Leonel) Brizola já tinha me apoiado, e acabei me filiando de novo, porque estava, inclusive, sem partido.
JC - O senhor fez várias críticas ao governo Dilma, e a mais recente é em relação à nomeação do ex-presidente Lula como ministro da Casa Civil...
Ciro Gomes - Foi o maior erro político que eu já vi na minha já longuíssima vida pública.
JC - Por quê?
Ciro Gomes - É gravíssimo, porque, até aquele momento, a Dilma era absolutamente inatacável sob o ponto de vista moral. Mesmo aqueles que lhe pedem o impeachment não tiveram jamais coragem de fazer qualquer acusação sob o ponto de vista do comportamento e da decência pessoal. Tanto que usaram um pretexto ridículo, que é o das pedaladas fiscais. Naquele dia, ao trazer o Lula, ela destrói qualquer resto de autoridade - o que não deixa de ser um gesto de muita humildade, mas a população quer que seu líder seja forte e não seja diminuído como aconteceria no caso da intervenção do Lula. Mas mais grave do que isso, ainda que não fosse e parecia, como demonstrou-se, que era uma manobra miúda, mesquinha, confundindo a República com questões particulares para subtrair o Lula de um juiz severo (Sérgio Moro) e submetê-lo à jurisdição de um Supremo Tribunal Federal que implicitamente garantiria a ele uma impunidade, pondo o STF num constrangimento absolutamente intolerável. Então, é um erro que não dá para dizer pouca coisa. É um disparate sem qualificação nem tamanho.
JC - Sobre a Dilma...
Ciro Gomes - Ela é uma pessoa honrada, decente, tem espírito público, gosta do Brasil, nunca cometeu nenhum ato de corrupção, boto a mão no fogo. A contradição básica já estava plantada: foi que ela herdou o governo do Lula. Este, sim, moral frouxa, resolveu lotear o governo com um milhão de picaretas, e está aí o resultado que está dando, coisa que eu falei para ele um milhão de vezes, até que acabei me afastando e não aceitei mais ser ministro, nem dele e nem da Dilma, porque eu sabia que ia dar nisso. Não é porque sou profeta, não. É porque era óbvio.

Internet
Ciro Gomes comenta ainda.
“Eu não amo a possibilidade de que a informação não contenha danos, mas já estou a certa altura de minha vida de poder olhar as baboseiras, loucuras e maravilhas que a gente lê na internet e fazer um filtro devido. Nem sempre isso é possível. Entre o Humberto Eco, filósofo e escritor italiano falecido recentemente, que disse ter a internet dado voz a uma legião de imbecis e aqueles outros que sustentam haver acabado o monopólio da mídia convencional por causa da internet, eu me situo mais ou menos no meio. Hoje, o que mais importa não é saber as respostas. É saber perguntar.”

Confrontação ideológica

“Infelizmente, essa infelicitação do povo brasileiro pela confrontação ideológica, pela confrontação moralista já, já, peço a Deus esteja errado, vai produzir cadáver”...

quinta-feira, 7 de abril de 2016

O Papa e o magnata talebã

Cesar Vanucci

“Apenas digo: esse homem não é cristão!”
(Papa Francisco referindo-se a Donald Trump,
 pré-candidato à Presidência dos Estados Unidos)

“Uma pessoa que pensa apenas em construir muros, seja onde for, e não construir pontes, não é cristã.” A manifestação do Papa Francisco teve endereço certo. Contemplou Donald Trump, mas serve também para outros próceres mundiais, como não? Benjamim Netanyahu, do Israel, sem dúvida alguma entre eles, já que responsável pelo erguimento de quilômetros e mais quilômetros de muralhas, lembrando o muro de Berlim, na Terra Santa.

Já ele, o magnata talebã em versão ocidental, que as forças mais retrógradas do ultraconservadorismo estadunidense apoiam na disputa pela sucessão de Barack Obama, mereceu do carismático Pontífice mais essa referência: “Sobre se eu aconselharia a votar ou não votar, não me meto. Apenas digo: esse homem não é cristão.” Ao emitir tal parecer acerca do pré-candidato republicano, Francisco se baseou, por certo, nos reiterados anúncios feitos por Trump de que irá implantar um muro de 2.500 quilômetros na fronteira dos Estados Unidos com o México. O objetivo alegado para a ciclópica obra seria impedir a indesejável entrada de “nefastos imigrantes”. Mas a “guerra santa” prometida pelo cara contra imigrantes não ficaria adstrita ao colossal muro, caso o eleitorado estadunidense cometesse a insensatez de atribuir-lhe o comando da Casa Branca. A deportação de 11 milhões de cidadãos que, segundo ele, vivem ilegalmente nos Estados Unidos seria parte também de seus “planos de governo”. Planos que, aliás, abrangem entre outras insanas propostas o endurecimento dos esquemas de repressão instituídos nos tempos do xerife George Bush, de modo a que possa ser “regulamentada” a prática da tortura em interrogatórios policiais e militares.

Trump, que faz questão de exibir a Bíblia onde quer que mostre a façanhuda estampa na cata de votos, classificou de “vergonhosa” a atitude de Francisco ao aplicar-lhe o puxão de orelhas a que fez jus. Reportando-se à visita recente do líder da Igreja ao México, saiu com mais esta: “o governo mexicano fez comentários negativos para o Papa sobre minha pessoa, porque a intenção do mesmo é continuar saqueando os Estados Unidos, tanto na área comercial como na fronteira.” Confessou também – vejam só! – “orgulho de ser cristão”, dizendo que “na presidência não tolerarei que a cristandade se enfraqueça e seja atacada com constância, como agora acontece no governo Obama...”

Pelas posições ultrarradicais defendidas, Trump tem sido alvo de críticas dentro e fora dos Estados Unidos. Conseguiu aglutinar, de outra parte, apoios emblemáticos. Os dirigentes da Ku Klux Klan e o líder fascista Le Penn, francês, um dos que negam o holocausto promovido pelos nazistas, figuram entre os entusiásticos apoiadores de sua campanha.

Resolvam logo esse impasse

Cesar Vanucci

“A fosfoetanolamina é ou não é um medicamento eficaz? Solucionar logo essa pendência que já se arrasta por duas décadas!”
(Domingos Justino Pinto, professor)

O que acontece com a fosfoetanolamina sintética, conhecida também como “pílula do câncer”, é danado de intrigante. Por um bocado de tempo, calculadamente duas décadas, a substância foi produzida e distribuída gratuitamente – oportuno ressaltar – a pacientes necessitados pelo Instituto de Química de São Carlos, Universidade de São Paulo. Um mundão de gente que utiliza a substancia assevera, com fervorosa convicção, ser a mesma provida de inegável eficácia terapêutica.

Mas não é bem esse o entendimento de muitos especialistas em oncologia. A reação desfavorável desses setores desembocou em intensa pressão junto às autoridades competentes visando a proibição de se fabricar o medicamento. Segundo suas alegações, a “fosfo” não foi objeto ainda de estudos científicos para avaliação dos eventuais riscos à saúde pelo uso continuo e nem tampouco dispõe do indispensável certificado da Anvisa.

Inconformados com a interdição de fabricação e distribuição determinada pelo Poder Judiciário de São Paulo, milhares de pessoas entenderam de impetrar medidas judiciais exigindo fosse restabelecido o fornecimento regular do produto, considerados os resultados favoráveis alcançados por tanta gente com a aplicação. Nada menos que 13 mil processos atulham o cartório do Fórum de São Carlos em sinal de discordância pela decisão judicial. A Procuradoria-geral da Universidade de São Paulo foi impelida a entrar com ação cautelar no STF, pedindo a suspensão de todas as liminares concernentes ao caso da “fosfo”. Paralelamente a tudo isso, o Ministério da Saúde e a Secretaria de Saúde anunciaram a constituição de grupos de trabalho com o fito de avaliar a proclamada eficiência terapêutica da “pílula”.

A disposição de promover esses estudos demorou um bocado a ser tomada. Afinal de contas já se passaram 20 anos desde que a fórmula medicamentosa começou a ser fornecida, sempre gratuitamente, pela Universidade em cujos laboratórios foi concebida. A atuação de bastidores, contrária à “fosfo”, por parte de grupos farmacêuticos poderosos é inocultável, como se depreende das divulgações pertinentes à questão.

Em contraposição ao argumento de que a inexistência de manifestação favorável da Anvisa veda o emprego da “fosfo”, é lembrado com constância por muita gente o fato de o SUS aplicar anualmente somas fabulosas na aquisição de medicamentos estrangeiros, recomendados formalmente para tratamento oncológico, e que não dispõem, pela mesma forma, de registro no referido órgão.

A expectativa no meio comunitário, sobretudo da parte dos que atestam a plena eficácia do remédio, é de que essa longa pendência seja logo equacionada. Se a “fosfo” resolve mesmo casos de câncer, podendo ser distribuída sem ônus ao bolso dos particulares e aos cofres públicos, o que resta aos responsáveis pela Saúde Pública é tratar de regulamentá-la com toda urgência possível. O papo controverso a respeito já foi mais longe do que devia.


sexta-feira, 1 de abril de 2016


Desfile de horrores

 Cesar Vanucci

 “... Loucura, ou verdade, tanto horror perante os céus?”
(Relembrando Castro Alves)
Graças aos mágicos instrumentos eletrônicos deste nosso paradoxal e atormentado estágio civilizatório, podemos acompanhar a tempo e a hora o desfile contínuo de tragédias geradas pela ambição e insanidade humana. Não há, pois, como evitar sorver, em indigestas doses diárias, a angústia e preocupação provocadas pela desditosa e insolúvel questão dos refugiados. Somam hoje mais de 1.5 milhão e a tendência é de que o contingente duplique a médio prazo.

As imagens despejadas na tela, a começar pelo que rola nos devastados territórios onde tem origem a encrenca toda, são arrasadoras. Um vendaval de horrores! A começar pelos lances específicos da guerra, melhor dizendo, das guerras propriamente ditas - calamidades compostas de todas as calamidades imagináveis e mais as inimagináveis, como diria Vieira –, ceifando vidas preciosas, mutilando pessoas, reduzindo a escombros patrimônios valiosos. Uma após outra, as desgraças vão se acumulando. Os atos de crueldade, levados a extremo paroxismo, no tratamento dispensado a “inimigos”, mostrados ao vivo e em cores. As fugas desesperadas rumo a destinos incertos e não sabidos. As traiçoeiras, para muitos fatídicas, travessias marítimas. As hostilidades, humilhações e desconfianças enfrentadas por boa parte dos condenados ao exílio, em locais tidos presumivelmente como de solidário acolhimento. O desaparecimento – Deus do céu! – de menores em número elevado no fluxo caudaloso e desordenado das multidões, muitos comprovadamente aliciados à força pelas máfias de lenocínio. As provações de toda ordem nas caminhadas sem rumo definido. E, como já documentado contundentemente, a severa repressão das tropas de choque, na base do cassetete, jatos de água, balas de borracha, gás lacrimogênio e de pimenta e de outros “convincentes apetrechos”, a migrantes que imploram mais espaço nos guetos em que se acham confinados na civilizada Europa. Parte das levas de refugiados está sendo jogada em terrenos desprovidos de qualquer tipo de conforto básico, inclusive banheiros. E, ainda assim, alguns dos “abrigos” vêm sendo demolidos por tratores e escavadeiras, de modo a impedir a chegada de mais foragidos do caos sírio e de paragens adjacentes.

Os conflitos de interesses em jogo são de tal ordem que se afigura praticamente impossível possam lograr êxito as tentativas de se por fim ao morticínio e à selvageria responsáveis pelo êxodo. Além do mais, a desejável absorção das correntes de refugiados pode, de outra parte, agravar-se acentuadamente face às mudanças políticas que andam acontecendo em alguns países europeus. Os resultados eleitorais vêm favorecendo grupos radicais com propostas xenófobas que se contrapõem às medidas até aqui utilizadas para abrigar os retirantes chegados das plagas conflagradas. Medidas essas, ressalte-se uma vez mais, em desacordo volta e meia com os ideais da confraternização humana e preceitos civilizatórios basilares.

Tão tenebroso colapso humanitário confere, na verdade, gritante atualidade ao brado famoso emitido por Castro Alves noutro momento doloroso da história humana: “Senhor Deus dos desgraçados! / Dizei-me vós, Senhor Deus! / Se é loucura... se é verdade / Tanto horror perante os céus?!”

Tragédia surreal

Cesar Vanucci

“Surreal e apavorante!”
(Professor Antônio Luiz da Costa,
falando do conflito na Síria)

Os interesses em jogo no(s) conflito(s) bélico(s) que ocorre(m) na Síria e adjacências são de tal monta e complexidade que se afigura impossível, mesmo a tarimbados observadores, vaticinarem qualquer perspectiva de solução próxima para a colossal encrenca. Como sabido, acham-se em andamento negociações de paz articuladas pelos Estados Unidos e Rússia. Tais articulações contam aparentemente com a concordância de Damasco e de representantes dos impropriamente denominados “grupos rebeldes moderados” que se opõem à ditadura Bashar al-Assad. Na mesa de debates não têm assentos os demais protagonistas do ensandecido embate político-militar.

A confusão das arábias armada nas conflagradas regiões, epicentro de tragédia humanitária que estremece o mundo, com milhares de mortos e milhões de refugiados, está contundentemente evidenciada nos posicionamentos de inusitado teor surrealista assumidos pelos litigantes. A noção de “aliados” e de “adversários” se dilui nas refregas repletas de selvageria pela conquista do poder. Isso alimenta, tá na cara, suspeitas de meio mundo acerca do seguinte: as versões trazidas ao conhecimento público a respeito dos acontecimentos ocultam variáveis de impacto atordoante. Ressurgem aí perguntas incômodas que ninguém parece disposto a responder. Como as que se seguem. Quem financia, nos bastidores, as atrocidades do Estado Islâmico? E da Al Qaeda? Onde, afinal de contas, são fabricados tanques, peças de artilharia, carros de combate, demais equipamentos bélicos empregados em elevada escala pelos extremistas islâmicos nas batalhas da Síria, Iraque e Líbia? Se os militantes de tão sinistras organizações, conforme se alega, extraem os recursos necessários às suas operações da comercialização do petróleo existente em abundância nas regiões dominadas, por que cargas d’água então as bem equipadas esquadrilhas de aviões dos adversários não conseguem reduzir a escombros os poços e as refinarias? O que impede os mísseis certeiros dos drones de pulverizarem as frotas de caminhões-tanque e os oleodutos obviamente usados para escoamento do óleo? Como se processa o suprimento de munições, alimentos, peças de vestuário destinados aos combatentes? A rede bancária para transações fica mesmo em que lugar? Se, por outro lado, conforme já admitido, quase 30 mil europeus, sem contar um bom número de norte-americanos, integram as fileiras fanáticas do EI, escuta aqui, como é que essa gente toda conseguiu se deslocar, desembaraçadamente, por tantas estações aduaneiras rigorosas em matéria de controle burocrático, até bater com os costados no front? Intrigante pacas, tudo isso...
 
As informações apresentadas na sequência sobre o confuso protagonismo das forças, extraídas de reportagem de “O Tempo”, mostram a razão pela qual os chocantes eventos daquele martirizado pedaço do mundo, além de espalharem profunda angústia, mexem tanto com a cuca das pessoas.

Bashar-al Assad, presidente da Síria – contrário ao Estado Islâmico, Al Qaeda, outros grupos rebeldes, coalizão liderada pelos Estados Unidos; recebe apoio de: Rússia, Irã, Hezbollah.

Vladimir Putin, presidente da Rússia – contrário aos rebeldes sirios, Estado Islâmico, Al Qaeda; apoia Bashar al Assad.

Ali Khamenei, líder supremo do Irã - contrário aos rebeldes sirios, Al Qaeda e Estado Islâmico; apoia Assad. 

Hezbollah (dirigente Hassan Nasrallah), grupo libanês combatido pelos Estados Unidos e Israel; contrário aos rebeldes sírios, Al Qaeda, Estado Islâmico; apoia Bashar-al Assad.

Barack Obama, presidente dos Estados Unidos – contrário a Assad, Al Qaeda, Estado Islâmico; apoia os rebeldes sirios e curdos.

Arábia Saudita (Salmán bin Abdulaziz, rei) – contrário ao governo Assad; apoia os  rebeldes sunitas e a coalizão dos Estados Unidos.

Turquia (presidente Recep Tayyip Erdogan) – contrário a Assad e separatistas curdos; apoia a coalizão dos Estados Unidos e rebeldes sirios.

Estado Islâmico – contrário ao governo Assad, rebeldes sírios, Estados Unidos, Rússia, Irã, Turquia, exército sírio, Hezbollah, Al Qaeda, curdos e milícias xiitas.

Al Qaeda (frente AL Nusra) – contrária ao governo Assad, Estados Unidos e coalizão, Rússia, Irã, curdos, Estado Islâmico, exército sírio, Hezbollah e milícias xiitas.

Exército Livre da Síria (rebeldes sírios) – contrário ao governo Assad, exército sírio, Rússia, Irã, curdos, Al Qaeda, Estado Islâmico e Hezbollah; recebe apoio dos Estados Unidos e Turquia.

Grupos curdos – contrários ao Governo Assad, Turquia, grupos rebeldes sírios, Estado Islâmico, Al Qaeda; recebe apoio dos Estados Unidos e coalizão.

A SAGA LANDELL MOURA

O instinto belicoso do bicho-homem

                                                                                                     *Cesar Vanucci Faço um premente a...